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O nosso imaginário sobre um padrão de beleza para os corpos revela muito da forma como nos relacionamos com a comida. Somos seduzidos por um padrão inalcançável ao mesmo tempo em que sucumbimos em uma direção oposta a ele.
O corpo tem memória. Ele entende que a gordura depositada no organismo é uma vantagem da evolução da espécie humana como uma capacidade de armazenamento de energia. A abundância de termos comida à disposição, a qualquer momento, é muito recente na história da nossa espécie. Tínhamos que suportar longas temporadas de escassez alimentar para seguirmos vivos. A gordura nos trouxe até aqui e, agora, estamos tratando-a como inimiga por causa de uma invenção estética que a condena como algo feio.
É verdade que aqueles que armazenavam gordura a gastavam. Caçar despendia uma grande quantidade de energia, assim como todo o processo de plantar a própria comida. Comemos demais e gastamos de menos, logo nos tornamos obesos e adquirimos os problemas de saúde decorrentes do excesso de comida.
A obesidade, um dos problemas de saúde mais graves do mundo contemporâneo, revela um outro, de cunho social: o da distribuição alimentar. O jornalista Martín Caparrós, que escreveu um livro sobre a fome no mundo, em um artigo para El Pais assevera que “há, no planeta, quase tantos obesos como famintos”. Uma parte do mundo devora a comida que falta à outra. Mas o problema não é somente esse: os obesos também são subnutridos, visto que se alimentam de trash food, um tipo de comida barata e disponível em qualquer canto de uma cidade.
Como esclarece Caparrós, os obesos vivem perto dos centros de poder, enquanto os famintos vivem longe deles. Em sociedades ricas como a dos Estados Unidos, os obesos representam a parcela mais empobrecida. Nas grandes cidades americanas, em qualquer esquina topamos com as cadeias de trash food que vendem um café e um donut por um dólar. Nos EUA, a obesidade custa cerca de 550 bilhões de reais por ano para a saúde.
Não é coincidência que o mesmo país que tem uma população tão obesa seja o campeão em desenvolver pesquisas que buscam um milagre para resolver esse problema: as pílulas e dietas emagrecedoras.
A FAO e outras agências da Organização das Nações Unidas (ONU) publicaram, em 2019, o relatório “Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” sobre fome e malnutrição. Os dados, relativos a 2018, revelaram que cerca de 820 milhões de pessoas passaram fome no mundo e cerca de 2 bilhões de pessoas enfrentaram insegurança alimentar moderada ou severa.
Basicamente, a conclusão do relatório é de que, hoje, já existem mais obesos do que famintos no mundo – aqueles são cerca 830 milhões. A explicação para a relação entre insegurança alimentar e obesidade é que, não havendo recursos, as pessoas são obrigadas a comer o que é mais barato e acessível, ou seja, alimentos ultraprocessados.
Esse tipo de alimento (se é que pode ser chamado assim) é abundante nas gôndolas dos supermercados: são os biscoitos recheados, os embutidos, refrigerantes, sucos de caixinha, salgadinhos repletos de conservantes, açúcar, gorduras saturadas, corantes, sal e toda a sorte de químicos artificiais. Sem qualquer valor nutricional, os alimentos ultraprocessados são os causadores do problema da obesidade no mundo.
Pesquisadores do Instituto Salk desenvolveram uma nova pílula que leva o corpo a pensar que consumiu calorias e queimar gordura. O medicamento efetivamente interrompe o ganho de peso, reduz o colesterol e controla o açúcar no sangue. Ele foi testado em ratos e é um forte candidato a ensaios clínicos em humanos.
Essa nova pílula, chamada fexaramina, não se dissolve no sangue como os inibidores de apetite ou medicamentos dietéticos à base de cafeína, mas sim permanece no intestino, causando menos efeitos colaterais. É como se fosse uma refeição imaginária, que faz com que o organismo “pense” que comeu.
Ronald Evans, diretor do Laboratório de Expressão Genética de Salk, explica que a pílula
“envia os mesmos sinais que normalmente acontecem quando você come muita comida, então o corpo começa a liberar espaço para armazená-lo. Mas não há calorias nem mudança de apetite”.
Os ratos obesos que usaram uma pílula diária de fexaramina por cinco semanas pararam de ganhar peso, perderam gordura e tiveram níveis mais baixos de açúcar no sangue e colesterol do que os ratos não tratados. Além disso, os animais tiveram um aumento na temperatura corporal, o que significa um aumento do metabolismo.
No Brasil, 23% da população brasileira estava obesa em 2016. Se considerado o índice de massa corporal (IMC) maior que 25, o número sobre para 57% da população.
Combater a obesidade não é apenas um tema para a saúde pública; é também uma questão de cidadania. O incentivo à boa alimentação deve começar pela disponibilização daquilo que é comida de verdade através de políticas fiscais que desonerem os produtos saudáveis e taxem aqueles que são nocivos á saúde.
A educação alimentar deve ser outra frente de atuação para que as pessoas saibam o que levam para as suas mesas. Rótulos informativos e de fácil leitura devem ser disponibilizados à população, bem como campanhas para fomentar hábitos alimentares saudáveis.
A obesidade é um problema que deve ser tratado de forma responsável e global. Toda a ansiedade e preconceito a que as pessoas obesas são submetidas por causa de um padrão corporal que sequer existe na realidade não contribuem em nada para o tratamento da obesidade. Esse ideal inalcançável atinge, também, pessoas saudáveis que não se aceitam como são.
A forma como nos alimentamos revela o tipo de cuidado que temos conosco. Mas esse autocuidado passou a ser sinônimo de privilégio. A alimentação não é apenas uma escolha individual, mas também uma questão social que diz respeito à relação do ser humano com os ciclos da natureza e, portanto, com a produção dos alimentos até a sua distribuição, isto é, quem tem o direito de ter acesso à comida de verdade.
As causas da obesidade são multifatoriais: podem tanto ser genéticas quanto emocionais. Por enquanto, apesar de existirem medicamentos que ajudam a controlar a saciedade, a obesidade deve ser tratada levando em conta não apenas o componente físico-químico do organismo, mas também as causas profundas que levam as pessoas a comerem em demasia ou comerem errado.
Em relação à arte, o artista espanhol Pablo Picasso dizia que ela se originava “10% de inspiração e 90% de transpiração”. Talvez possamos usar a declaração do pintor como uma analogia em relação à arte de ser saudável.
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Categorias: Saúde e bem-estar, Viver
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