Coronavírus: o povo brasileiro está indo para o abatedouro, diz pesquisador


O pesquisador e especialista em modelagem computacional envolvido no projeto do portal Covid-19 Brasil, Domingos Alves, é categórico: a liberação das medidas de flexibilização do isolamento social vai levar a população para o abatedouro.

O Globo consultou o especialista para saber a real dimensão das medidas de flexibilização para a saúde pública dos brasileiros. Ele afirma que municípios como Manaus, Belém, São Paulo e Rio de Janeiro deveriam, neste momento, estar fazendo lockdown e não abrindo as atividades comerciais sem qualquer planejamento.

Explosão de casos em 10 dias

O resultado da medida será perceptível em 10 dias, quando haverá um aumento de 150% no número de infectados e mortos pelo coronavírus. A projeção do grupo de cientistas envolvidos no projeto alerta para o risco da explosão de casos da doença e mortes por Covid-19 no Brasil em pouquíssimos dias, como aconteceu em Blumenau (SC), onde o número de infectados aumentou 160% cinco dias após a reabertura do comércio.

A projeção para São Paulo, por exemplo, que hoje tem um percentual de distanciamento social em torno de 50%, é de que com a flexibilização este caia para 25%, o que provocaria, em dez dias, mais 11 mil casos novos e 56 mil internações. Com esse aumento de infecções, os leitos hospitalares irão colapsar.

Necropolítica

Do ponto de vista médico e científico, não existe nenhuma razão para que o isolamento social deixe de ser feito. A motivação política é a única condutora dessa ação, que podemos denominar de necropolítica.

Necropolítica é um conceito que foi desenvolvido pelo filósofo Achille Mbembe, em 2003, em um ensaio no qual questiona os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. A forma como a Covid-19 vem sendo tratada pelo governo brasileiro mostra como vem sendo articulado esse tipo de escolha.

O Brasil já está há quase um mês sem ministro da Saúde. Os dois ocupantes do cargo durante a pandemia, que eram médicos, pediram demissão porque não compactuavam, desde um ponto de vista científico, com as determinações do presidente Jair Bolsonaro na condução da epidemia no Brasil, que segue sem qualquer planejamento.

Curva não para de subir

Segundo Alves, a curva de crescimento do Brasil é a mais acelerada no mundo e a única que a partir do 50° dia após o surgimento do primeiro caso continua subindo de forma acelerada, o que significa que não é possível vislumbrar quando sairemos desse túnel escuro. O pesquisador vê um cenário catastrófico para o país:

“Não estamos falando do que vai ocorrer dentro de um ou dois meses, mas de uma semana a dez dias. Até agora, temos acertado nossas projeções e, por isso, estamos tão preocupados. É nosso dever alertar a população de que ela foi liberada para ir ao abatedouro”.

O grupo de pesquisadores usa um método de análise reconhecido internacionalmente, que será publicado em breve em uma das principais revistas médicas internacionais, a Lancet. Os estudos têm mostrado que o Brasil não desacelerou a epidemia como tampouco conseguiu achatar a curva, logo não há nenhuma razão para ir contra as regras de distanciamento social realizadas no mundo todo e orientadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Genocídio

Alves diz estar muito preocupado com o cenário que aguarda o Brasil. As mortes estão obedecendo a uma seletividade, pois quem está em casa faz parte de um grupo que pode fazer home office ou tem reservas financeiras. A maioria da população foi largada à própria sorte, ou melhor dizendo, ao descaso governamental.

“A palavra é dura, mas será um genocídio. Nenhum governo estadual teve coragem de falar em fila única de saúde, e esses pacientes, em sua maioria pobres, não terão assistência. Vão morrer em casa. É fácil botar a culpa na população, mas a responsabilidade de estabelecer regras e de dar segurança é dos governantes”, diz Alves.

Aumento de SRAG

O Brasil ainda está enfrentando, ao mesmo tempo, o aumento do número de mortes por doenças respiratórias. Em meio à pandemia do novo coronavírus, a quantidade de mortes por doenças respiratórias explodiu no Brasil.

De acordo com o UOL, o número de óbitos em decorrência de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) em 2020 é de 6.994 mortes – 20 vezes mais em relação a 2019, que registrou 349 óbitos.

Biopoder

O Brasil está levando a cabo uma “política da morte”. Se o país tivesse gerenciado a crise sanitária de forma articulada com o apoio financeiro a vulneráveis e empresas, talvez, hoje, poderíamos estar discutindo de forma responsável sobre medidas de relaxamento social.

Entretanto, o cenário que se descortinará será ainda mais cruel. Mas parece que pouca gente se importa, considerando as pautas dos noticiários, que estão mais focados na crise política brasileira do que com o aumento do número de mortes por Covid-19 no Brasil. Entretanto, como ensina Michel Foucault, o corpo vivo está no centro de toda política.

Não é a vida que está voltando ao normal com a flexibilização das regras de distanciamento social; trata-se da normalização da morte. Só na morte há abandono. Mas, parece que no Brasil, o abandono, para alguns, está em todas as dimensões da existência humana.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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