Cloroquina e hidroxicloroquina: o que são e o quanto podem ser úteis no tratamento da Covid-19


Em seu último pronunciamento, o presidente Jair Bolsonaro voltou a afirmar que o Brasil está empenhado em usar a cloroquina e a hidroxicloroquina no tratamento contra o novo coronavírus. O país irá exportar da Índia matéria-prima para produzir hidroxicloroquina para evitar mais mortes por Covid-19, ainda que não haja qualquer comprovação científica desse tratamento.

Diante desse fato, é preciso saber que substância é essa, o que dizem as comunidades médica e científica e quais são os seus efeitos colaterais.

Cloroquina, o que é

A cloroquina é um medicamento usado no tratamento e na profilaxia de várias doenças, como a malária, a artrite e o lúpus. Este ano, começou a ser usado, de forma experimental, no tratamento da Covid.-19.

Existem efeitos colaterais da administração da cloroquina, como problemas musculares e na visão, perda de apetite, diarreia, erupções cutâneas e crise epiléptica.

A cloroquina foi descoberta há quase um século, em 1934, pelo investigador Hans Andersag, da indústria farmacêutica Bayer. Hoje, ela faz parte da Lista de Medicamentos Essenciais da Organização Mundial de Saúde (OMS), o que significa que é um fármaco eficaz e seguro.

História da cloroquina no tratamento da Covid-19

Quando as mortes por Covid-19, na China, chegaram a um número elevado, começaram os ensaios clínicos com a cloroquina, que já havia se mostrado eficaz no tratamento da SARS, em 2003.

De acordo com o Instituto Superior da Saúde da Itália, a hipótese de usar a cloroquina contra o coronavírus foi baseada em uma análise que mostrou um efeito antiviral de amplo espectro da cloroquina. Essa hipótese levou em consideração as propriedades imunomoduladoras da droga, às vezes usada com sucesso no tratamento da artrite reumatóide.

No ano seguinte, após o término da epidemia da SARS, uma equipe de pesquisadores belgas demonstrou os efeitos inibitórios da cloroquina in vitro no coronavírus da SARS. O efeito foi posteriormente confirmado de forma independente por outros grupos de pesquisadores.

Esse medicamento pertence à categoria de inibidores da protease do HIV, uma enzima essencial para o corte final de vários componentes virais. O fato de ter demonstrado inibir uma protease do vírus da SARS também foi bastante surpreendente, porque as proteases do HIV e do coronavírus não compartilham semelhanças estruturais.

No entanto, o pesquisador do Instituto Superior da Saúde da Itália, Andrea Savarino adverte, que:

“Convido a todos com extrema cautela porque muitas vezes os efeitos observados “in vitro” e em animais não são reproduzíveis quando transferidos para seres humanos, e mesmo que os primeiros resultados em pacientes pareçam positivos, levará tempo para se ter uma indicação definitiva. Infelizmente, o site em que o ensaio clínico foi anunciado não informa a dosagem de cloroquina a que os pacientes serão submetidos”.

Em 2003, Savarino foi o primeiro pesquisador a cogitar o uso de cloroquina contra o SARS1. Hoje, ele é responsável por coletar dados de hospitais para analisar os registros médicos para o tratamentos com cloroquina/hidroxicloroquina para elaborar uma publicação científica.

Ao jornal italiano Il Tempo, o pesquisador explica que os pacientes tratados com cloroquina tiveram um efeito negativo do vírus um pouco mais rápido do que aqueles tratados com a combinação de lopinavir/ritonavir, um medicamento que também possui atividade antiviral. Mas a maior parte dos efeitos da cloroquina foi observada no nível clínico, com uma melhora no quadro do envolvimento pulmonar devido ao fato de a cloroquina não só ter um efeito antiviral, mas também imunológico, ou seja, ela limita os danos causados ​​pela ativação anormal do sistema imunológico pelo vírus.

Diferença entre hidroxicloroquina e cloroquina

Sobre a diferença entre hidroxicloroquina e cloroquina, Savarino esclarece que ambas são estruturalmente idênticas, mas que a primeira tem um átomo de oxigênio extra, o qual confere propriedades de distribuição no corpo um pouco diferentes. Nas diretrizes italianas, por exemplo, a hidroxicloroquina é prescrita em uma dose equivalente menor do que aquela para a qual a cloroquina é prescrita para a mesma indicação no tratamento para a malária.

Como o seu uso está sendo permitido na Europa

A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) recomenda aos pacientes e profissionais de saúde que a cloroquina e a hidroxicloroquina devem ser usadas apenas em ensaios clínicos ou em programas de uso emergencial para o tratamento da Covid-19, informa a AIFA- Agência Italiana de Fármacos.

Ambos os medicamentos, autorizados para o tratamento da malária e de algumas doenças autoimunes, ainda estão sendo estudados em todo o mundo, pois são potencialmente capazes de tratar a doença causada pelo novo coronavírus.

Entretanto, a eficácia do tratamento ainda não está demonstrada em estudos científicos, pois tanto a cloroquina quanto a hidroxicloroquina podem ter efeitos colaterais graves, especialmente se medicadas em altas doses ou combinadas com outros medicamentos.

Saúde x política

O uso da cloroquina e da hidroxicloroquina migrou do campo médico-científico para o campo político-ideológico.

Alguns políticos, como o presidente brasileiro e o dos Estados Unidos, Donald Trump, defenderam o uso das substâncias no tratamento de pacientes diagnosticados com a Covid-19, ainda que não haja consenso científico sobre isso.

O achismo pode ser muito perigoso quando é usado politicamente. O próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, encomendou um estudo ao Conselho Federal de Medicina (CFM) por não haver estudos suficientes sobre a eficácia e a dose necessária para o tratamento da doença. De acordo com o Correio Braziliense, Mandetta afirmou que é necessário mais tempo e embasamento, por isso foi solicitado ao CFM um estudo para recomendação do uso amplo da cloroquina e da hidroxicloroquina contra a Covid-19.

Bolsonaro e Mandetta parecem divergir nesse ponto. O ministro da Saúde tem se mostrado precavido em relação ao uso da medicação por causa dos  seus efeitos colaterais.

Especialistas da área da Saúde veem com preocupação a fala insistente de Bolsonaro, que pode gerar confusão na sociedade brasileira por criar uma falsa sensação de tranquilidade e um relaxamento sobre as medidas de isolamento social. O infectologista do Hospital Sírio-Libanês, Alexandre Cunha, alerta que a discussão científica está sendo tomada ideologicamente para se fazer política:

“Preferências políticas não deveriam influenciar em nada decisões técnicas. É isso que, hoje, está acontecendo”.

A posição de Cunha converge com a da OMS, que  afirma que o uso da cloroquina está, ainda, em fase de testes em 74 países. Para o G1, a organização informou que

“até agora, nenhum produto farmacêutico se mostrou seguro e eficaz para tratar a Covid-19”.

Ainda segundo o Correio Braziliense, a cloroquina faz parte do mesmo grupo de substâncias da hidroxicloroquina, mas esta é considerada mais segura, branda e, portanto, menos tóxica. Ambas devem ser manipuladas em dosagem específica para cada tipo de tratamento, pois, caso contrário, provocam efeitos colaterais que podem, inclusive, levar à morte do paciente.

No Brasil, a substância é autorizada pelo Ministério da Saúde para pacientes em estado crítico e moderado, desde que haja concordância da sua administração entre médico e paciente.

Veja o vídeo de Atila Iamarino comentando sobre os tratamentos que estão sendo testados para a Covid-19, no Roda Viva do dia 30/03.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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