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Recentemente publicamos um artigo falando sobre Transplante de Fezes para ajudar a tratar doenças do aparelho digestivo. Mas a pesquisa científica está indo cada vez mais além e já começou a investigar a relação entre a microbiota intestinal e o cérebro no comportamento e no desenvolvimento de doenças neurológicas como o Alzheimer, transtornos como o Autismo e outras desordens.
Um artigo recentemente publicado no The New York Times diz:
“A comunidade microbiana do corpo pode influenciar o cérebro e o comportamento, talvez até desempenhando um papel na demência, autismo e outras desordens.”
Segundo a matéria, em 2014, o professor da Universidade College Cork, na Irlanda, John Cryan, participou de uma reunião na Califórnia sobre a doença de Alzheimer. Como ele não era especialista em demência, optou por estudar o microbioma, ou seja, os micróbios dentro do corpo humano saudável.
Dr. Cryan e outros cientistas estavam começando a achar indícios de que esses micróbios poderiam influenciar o cérebro e o comportamento. Cryan chegou a mencionar que é possível que o microbioma tenha influência no desenvolvimento do Alzheimer, mas essa ideia não foi bem recebida pelos demais.
No entanto, a pesquisa continua a revelar ligações notáveis entre o microbioma e o cérebro. Os cientistas estão descobrindo evidências de que o microbioma pode ter um papel não só no Alzheimer, mas também em doenças como Parkinson, depressão, esquizofrenia, autismo e em outras condições.
Para alguns neurocientistas, novos estudos mudaram a maneira como pensam sobre o cérebro. Exceto para Sangram Sisodia, neurobiólogo da Universidade de Chicago. Ele não foi influenciado pela palestra do Dr. Cryan, mas depois mudou de ideia e decidiu fazer um teste simples.
Ele e seus colegas deram antibióticos para ratos propensos a desenvolver uma versão da doença de Alzheimer, a fim de matar grande parte das bactérias intestinais nos camundongos. Mais tarde, quando os cientistas inspecionaram os cérebros dos animais, encontraram muito menos aglomerados protéicos ligados à demência.
Apenas um pequeno rompimento do microbioma foi suficiente para produzir esse efeito. Camundongos jovens que receberam antibióticos por uma semana tinham menos aglomerados em seus cérebros quando envelheciam também.
Após uma série de experimentos semelhantes, ele passou a suspeitar que apenas algumas espécies de bactérias no intestino influenciam o curso da doença de Alzheimer, liberando substâncias químicas que alteram a maneira como as células do sistema imunológico atuam no cérebro. Ele não encontrou esses micróbios, muito menos a substância, mas desconfia de que ela existe e faz essa comunicação.
Os cientistas sabem há muito tempo que os micróbios vivem dentro de nós. Por gerações, os microbiologistas estudaram apenas as espécies que poderiam crescer no laboratório. No entanto, a maioria dos micróbios presentes em nosso interior não sobrevivem em placas de petri.
No início dos anos 2000, a ciência do microbioma deu um salto repentino quando os pesquisadores descobriram como sequenciar o DNA desses micróbios. Inicialmente, os pesquisadores usaram essa nova tecnologia para examinar como o microbioma influencia partes de nossos corpos repletos de bactérias, como o intestino e a pele. Poucos deram muita atenção ao cérebro, pois ele é protegido da invasão microbiana pela barreira hematoencefálica e apenas pequenas moléculas passam.
Rob Knight, microbiologista da Universidade da Califórnia, em San Diego, disse ter sido considerado louco em 2011, por procurar ligações entre os micróbios do intestino e o cérebro. Ele e seus colegas descobriram algumas evidências através de exames realizados com camundongos, onde pegaram fezes de camundongos com uma mutação genética que os fez comer muito e engordar e transferiram as fezes para camundongos que foram criados sem microbiomas intestinais. Depois de receber o transplante fecal, os camundongos sem germes também ficaram com fome e engordaram.
Alterar o apetite não é a única coisa que o microbioma pode fazer ao cérebro. Cryan e seus colegas, descobriram que camundongos sem microbiomas se tornam solitários, preferindo ficar longe de outros roedores. Os cientistas descobriram mudanças no cérebro desses camundongos antissociais. Trata-se de uma região cerebral chamada amígdala, a qual é importante para o processamento de emoções sociais. Em camundongos sem germes, os neurônios da amígdala formam conjuntos incomuns de proteínas, alterando as conexões que eles fazem com outras células.
Estudos com humanos revelaram padrões surpreendentes, segundo a matéria do NYT. Descobriu-se que crianças com autismo têm padrões incomuns de espécies microbianas em suas fezes, e descobriram também diferenças nas bactérias intestinais de pessoas com uma série de outras condições cerebrais.
Para estudar o autismo, o Dr. Mauro Costa-Mattioli e seus colegas do Baylor College of Medicine, em Houston, investigaram diferentes tipos de camundongos, cada um apresentando alguns sintomas de autismo.
De acordo com a pesquisa, uma mutação em um gene chamado SHANK3 pode fazer com que os ratos se limpem repetitivamente e evitem contato com outros camundongos, por exemplo. Já em outra cepa de camundongo, a Dra. Costa-Mattioli descobriu que alimentar as mães com uma dieta rica em gordura torna mais provável que seus filhotes se comportem dessa maneira.
Quando os pesquisadores investigaram os microbiomas desses ratos, descobriram que os animais não tinham uma espécie comum chamada Lactobacillus reuteri. Quando eles adicionaram uma parte dessas bactérias à dieta, os animais voltaram a ser sociais.
Dra. Costa-Mattioli encontrou evidências de que o L. reuteri libera compostos que enviam um sinal para as terminações nervosas nos intestinos. O nervo vago envia esses sinais do intestino para o cérebro, onde eles alteram a produção de um hormônio chamado oxitocina, que promove os laços sociais.
É provável que essa influência comece antes do nascimento, à medida que o microbioma de uma mãe grávida libera moléculas que entram no cérebro fetal. As mães semeiam seus bebês com micróbios durante o parto e a amamentação. Durante os primeiros anos de vida, tanto o cérebro quanto o microbioma amadurecem rapidamente.
Para entender a influência do microbioma no cérebro em desenvolvimento, Rebecca Knickmeyer, neurocientista da Michigan State University, estuda ressonâncias magnéticas de crianças. Em seu primeiro estudo, publicado em janeiro, ela se concentrou na amígdala, a região de processamento de emoções do cérebro que o Dr. Cryan e outros descobriram ser alterada em camundongos sem germes.
Dra. Knickmeyer e seus colegas mediram a força das conexões entre a amígdala e outras regiões do cérebro e identificaram que bebês com uma menor diversidade de espécies em suas entranhas têm conexões mais fortes, descobriram os pesquisadores.
À medida que os pesquisadores entendem melhor como o microbioma influencia o cérebro, eles esperam que os médicos possam usá-lo para tratar doenças psiquiátricas e neurológicas.
É possível que eles estejam fazendo isso há muito tempo sem saber. No início dos anos 1900, neurologistas descobriram que colocar pessoas com epilepsia em uma dieta pobre em carboidratos e rica em proteínas e gordura, às vezes reduzia suas convulsões.
Os camundongos epilépticos apresentam a mesma proteção da chamada dieta cetogênica, mas não se sabe ainda o motivo. A Dra. Elaine Hsiao, microbióloga da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, suspeitava que o microbioma era o motivo. Para testar a importância do microbioma, Elaine e seus colegas criaram camundongos livres de micróbios. Quando eles colocaram os camundongos epilépticos sem germes em uma dieta cetogênica, descobriram que os animais não tinham proteção contra as convulsões, mas quando davam fezes de animais livres de germes de camundongos em uma dieta cetogênica, as convulsões eram reduzidas.
Dra. Hsiao descobriu que dois tipos de bactérias intestinais se desenvolvem em camundongos com uma dieta cetogênica. Eles podem fornecer aos seus hospedeiros blocos de construção para neurotransmissores que freiam a atividade elétrica no cérebro. Com isso entende-se que pessoas com epilepsia não precisem fazer uma dieta cetogênica para obter esses benefícios, pois elas podem tomar apenas uma pílula contendo as bactérias que fazem bem como a dieta.
Sarkis Mazmanian, um microbiologista da Caltech, e seus colegas identificaram uma única cepa de bactérias que desencadeia os sintomas da Mal de Parkinson em camundongos. Ele começou uma empresa que está testando um composto que pode bloquear os sinais que o micróbio envia ao nervo vago. No entanto, ele e outros pesquisadores deverão equilibrar as seguintes situações: por um lado, seus experimentos mostraram-se notavelmente encorajadores; por outro, os cientistas não querem encorajar a noção de que as curas baseadas em microbiomas para doenças como o mal de Parkinson estejam chegando.
Isso não é fácil quando as pessoas podem comprar probióticos sem receita médica e quando algumas empresas estão dispostas a usar pesquisas preliminares para vender micróbios para tratar doenças como a depressão.
A Dra. Costa-Mattioli espera que o L. reuteri algum dia ajude algumas pessoas com autismo, mas adverte os pais sobre o tratamento de seus filhos com probióticos comprados em lojas, pois algumas cepas de L. reuteri alteram o comportamento de camundongos e outros não. Ela e seus colegas ainda estão buscando a cepa mais eficaz e descobrindo a dose certa para experimentar as pessoas.
Katarzyna B. Hooks, bióloga computacional da Universidade de Bordeaux, na França, alertou que estudos como o de Dr. Costa-Mattioli ainda são incomuns, pois a maioria dessas descobertas vem de pesquisas com transplantes fecais ou camundongos sem micróbios, experimentos nos quais se torna difícil identificar as causas das mudanças no comportamento.
Como sabemos, o nosso cérebro é mundo ainda a ser desvendado e, junto dele, o nosso intestino com sua colônia de bactérias chamada microbioma. Duas coisas interligadas e que podem revelar muito sobre a nossa saúde.
Leia AQUI a matéria completa do The New York Times.
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Categorias: Saúde e bem-estar
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