A realidade do aborto, com ou sem microcefalia no horizonte


Interrupção da concepção por medo de gerar uma criança deficiente é uma questão muito dolorosa a ser enfrentada nos países onde o aborto, o direito que toda mulher deveria ter sobre escolher dar continuidade a uma gestação, não é ainda um direito reconhecido legalmente. Este é o caso do Brasil, onde a gritaria feita pelas vozes das igrejas tem dificultado, em muito, a solução deste que é, na verdade um problema de saúde pública.

Neste momento de histeria coletiva com a questão do zika vírus ressurge essa discussão pois, se o zika pode gerar fetos com microcefalia, existe uma porcentagem de mães que não aceitam o encargo de criar filhos com esse problema.

Mas, na verdade, não se sabe, à certa, qual relação tem o zika virus com a ocorrência de casos de microcefalia. É, por enquanto, uma suposição resultante de análise estatística porém sem comprovação biológica.

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“Optar é um direito (…). É de 1940 a legislação sobre as circunstâncias em que o aborto é permitido no Brasil. É uma legislação muito atrasada. Na Europa, nos Estados Unidos e até em países vizinhos do Brasil há um avanço neste tema. Essa escolha deve ser regulada, estabelecendo condicionantes para a permissão. Se tivéssemos avançado nesse tema, no país, essas mulheres teriam o direito de optar pela sequência ou não da gravidez, de forma legal e segura. A mãe, o pai e o núcleo familiar são os que têm que tomar essa decisão”.

“As mulheres mais pobres serão mais prejudicadas que as demais, se a opção pelo aborto não for legalizada no caso da microcefalia. Elas não terão estrutura mínima para lidar adequadamente com o bebê com microcefalia”, diz o infectologista Victor Horácio, pediatra do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR) em entrevista à Rádio EBC.

Tive Zika vírus na gravidez, posso abortar se meu filho tiver microcefalia?

O que se verifica na prática?

O infectologista Victor Horácio afirma na entrevista: “A opção pelo aborto tem sido frequente, de modo especial na América do Sul, onde houve um grande aumento dos casos. O Zika vírus pode estar associado à microcefalia, principalmente se a infecção durar até o terceiro mês de gestação. Nesses cenários, há 80% de possibilidades de o filho nascer com microcefalia“, alertou o infectologista.

O aborto é proibido em nosso país, com ou sem microcefalia, mas é preciso lembrar o que já afirmou, em alto e bom tom, Drauzio Varella:

“Desde que a pessoa tenha dinheiro para pagar, o aborto é permitido no Brasil. Se a mulher for pobre, porém, precisa provar que foi estuprada ou estar à beira da morte para ter acesso a ele. Como consequência, milhões de adolescentes e mães de família que engravidaram sem querer, recorrem ao abortamento clandestino, anualmente”.

O infectologista Victor Horácio desataca um outro problema do aborto não legalizado: “A mãe corre risco de adquirir uma infecção no procedimento de interrupção de gravidez. Isso sem falar nos problemas psicológicos. Logo, a opção pelo aborto é sempre delicada“.

Ilegal até quando?

A interrupção da gravidez só é permitida no Brasil em casos de risco à vida da mãe, quando a concepção foi resultado de um estupro ou quando o feto é anencéfalo.

* O importante é tirar o Brasil da situação de país onde o aborto não é uma escolha da gestante, por ser considerado ilegal.

* O importante é que toda a mulher seja respeitada como ser livre para decidir sobre o seu corpo e sua capacidade de gerar e manter vidas.

Discutir se aborto deve ser legal é algo como enxugar gelo.

Como também afirma Drauzio Varella aqui

“(…) as mulheres já abortam, independentemente do que pensemos. Segundo o IAG, Instituto Alan Guttmacher, entidade americana que estuda a questão do aborto no mundo, cerca de 1 milhão de mulheres abortam no Brasil todos os anos. As católicas e as evangélicas abortam; as loiras, as morenas, as afrodescendentes, as pobres, as ricas, as adolescentes, as casadas, as que saem com vários parceiros, as que tiveram apenas uma relação sexual na vida e as que são mães, também. E vão continuar abortando, pois a decisão de interromper uma gravidez é pessoal e envolve várias questões que não podemos controlar.”

E o diagnóstico fetal para a microcefalia, quando é possível?

Drauzio Varella afirma também que, o diagnóstico fetal para microcefalia só é conclusivo próximo ao 3º trimestre de gestação, ou seja, no 7º mês, quando o feto já está quase pronto para nascer, o que torna a decisão de interrupção tardia de gravidez, uma ação bastante mais difícil do que se a interrupção obstétrica ocorresse logo no primeiro trimestre.

Portanto, a proposta é de que todas as mulheres sejam declaradas aptas, plenamente de direito, de proceder a essa interrupção logo no início, se tiver o receio de haver contraído o zika vírus e não que tenha de esperar até a confirmação da deficiência neurológica.

Dolorosa decisão que só os diretamente interessados podem tomar

Concluo essa matéria com mais uma afirmação de Drauzio Varella, com a qual eu concordo em todos seus pontos e vírgulas.

A questão do aborto está mal posta. Não é verdade que alguns sejam a favor e outros contrários a ele. Todos são contra a esse tipo de solução, principalmente os milhões de mulheres que se submetem a ela anualmente por não enxergarem alternativa. É lógico que o ideal seria instruí-las para jamais engravidarem sem desejá-lo, mas a natureza humana é mais complexa: até médicas ginecologistas ficam grávidas sem querer“.

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Redação greenMe

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