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Uma pesquisa feita pelas organizações Visão Mundial e Instituto Igarapé sobre a percepção das crianças acerca da violência foi divulgada, esta semana, no Rio de Janeiro. O estudo foi realizado entre setembro de 2015 e março deste ano com 1.404 crianças e adolescentes entre 8 e 17 anos em doze cidades do Brasil: Fortaleza, Recife e Maceió e Manacapuru (AM), Governador Dix-sept Rosado e Mossoró (RN), Catolé do Rocha (PB), Canapi e Inhapi (AL), Itinga (MG) e Nova Iguaçu (RJ).
Conforme publicação da EBC, 85% das crianças e adolescentes relataram conviver com brigas na escola e 63% afirmam já terem sofrido violência física doméstica ao fazerem “algo errado”. Ainda assim, 68% dizem se sentir seguras de forma geral, o que indica que as crianças e os adolescente têm uma percepção já naturalizada da violência. É o que conclui Karina Lira, assessora em proteção da infância da Visão Mundial, para quem os dados mostram que a violência é mais naturalizada entre os jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Em geral, apesar de eles estarem inseridos em um ambiente de violência, têm uma sensação de segurança elevada. Os ambientes analisados pela pesquisa são escola, casa e comunidade onde vivem.
“A gente percebe uma contradição onde a percepção de insegurança dela [da criança] é muito baixa, apesar da sua realidade e seu entorno. Existe um elemento, pelo fato de ser criança e por estar em desenvolvimento, não consegue compreender totalmente essa realidade, principalmente as menores. Mas tem o elemento que a gente chama de normatização da violência: a criança convive tão rotineiramente com situações de violência que passa a entender aquilo como natural, algo normal do seu dia a dia”, comenta Karina.
Embora a legislação que protege crianças e adolescentes tenha sido aperfeiçoada, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Karina destaca que as garantias de direitos não se concretizaram para muitos jovens. “Isso é muito complicado porque, a partir do momento que a criança e o adolescente – que são um terço da população brasileira – são vulneráveis e não se percebem como vítimas de uma violência, isso se deve a um silêncio em torno do problema e também à impunidade por parte de quem agride”, ressalta.
De acordo com o estudo, a percepção de segurança está relacionada à idade das crianças e dos jovens. Aqueles que moram em cidades menores se sentem mais seguros do que aqueles que vivem em grandes centros urbanos. A casa ainda é o ambiente onde eles se sentem mais seguros: 84% em relação a 62% para a escola e a comunidade.
Sobre a compreensão dos tipos de violência, 86% dos entrevistados consideram errado terem o corpo tocado sem permissão. Já gritar e xingar são considerados ofensivos para 82% deles, ser trancado em um quarto ou em casa como punição é considerado violência para 70% dos jovens e crianças e para 64% ficar em casa sem cuidados também é uma forma de violência.
Outros dados analisados foram: 58% afirmam que é errado menores de 14 anos trabalharem para ajudar no sustento da casa, 28% afirmam o mesmo sobre cuidar dos irmãos menores e 19% sobre realizar tarefas domésticas.
Sobre a sensação de segurança, 89% dos entrevistados sentem seguros com a família e 40% com a polícia. 89% sentem-se amados e bem cuidados pelos familiares e 86% acreditam que serão felizes quando adultos. Entretanto, 35% já receberam, em algum momento, assistência policial e hospitalar por terem sofrido algum tipo de violência.
A pesquisa foi realizada com a ajuda do aplicativo Índice de Segurança da Criança (ISC), que pode ser adaptado aos diferentes contextos sociais nos quais se inserem as crianças. Segundo Natalie Hanna, coordenadora de projetos do Instituto Igarapé, o levantamento dá uma contribuição importante sobre a percepção da violência entre crianças através de dados subjetivos. Segundo ela, já existem dados objetivos sobre violência, como quantidade de mortes, mas não como ela afeta as crianças. Natalie diz que a pesquisa foi feita de forma cuidadosa, a fim de evitar que as crianças fossem retraumatizadas, caso tivessem sofrido algum abuso.
Outra vantagem do aplicativo é ser ele capaz de mapear os resultados da pesquisa organizando-os por sexo, idade e localização dos entrevistados. O maior objetivo do estudo é pressionar o poder público para atuar com as políticas de proteção já previstas em lei.
Outro ganho, apontado por Eufrásia Maria Souza, defensora pública e coordenadora de defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, é dar aos jovens o direito de serem ouvidos. “Nada melhor para nós, que somos defensores dos direitos da criança e do adolescente, inclusive do direito consagrado de ser ouvido e ter a sua opinião considerada. É muito importante uma pesquisa que tenha como enfoque ouvir o que as crianças estão dizendo acerca das violências que elas sofrem. E são violências de vários tipos, da família, institucional”, diz.
Os dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) sobre a situação de crianças e jovens de até 18 anos no Brasil não são nada positivas: o país ocupa o segundo do mundo em número de assassinatos de adolescentes, ficando atrás, apenas, da Nigéria. Diariamente, são mortos 28 crianças e adolescentes, uma realidade que assombra, sobretudo, a parcela de jovens negros e pobres que mora nas regiões periféricas das grandes cidades.
Existe, no Brasil, um serviço de denúncia de violação direitos humanos do governo federal, o disque 100. Por hora, são registrados cinco casos de violência contra crianças e adolescentes nesse serviço. É preciso usar os serviços à disposição da sociedade para ajudar os jovens e crianças brasileiros vítimas de qualquer tipo de violência.
A Unicef Brasil informa, ainda, que, em casos de suspeita de violência infanto-juvenil, os conselhos tutelares e as varas da Infância e da Juventude devem ser procurados. Nos municípios onde não há conselhos tutelares, as varas recebem as denúncias, bem como as Delegacias de Proteção à Criança e ao Adolescente e as Delegacias da Mulher.
Você pode denunciar, também, pelo aplicativo Proteja o Brasil gratuitamente. É possível fazer denúncias pelo aplicativo e localizar os órgãos de proteção à infância e juventude que atendem a sua cidade. O Proteja Brasil encaminha as denúncias diretamente para o disque 100.
Não deixe de denunciar, caso você saiba de qualquer caso de abuso contra um menor.
Confira aqui o estudo completo realizado pelo Instituto Igarapé.
ABUSO PSICOLÓGICO INFANTIL PODE SER TÃO (OU MAIS) PREJUDICIAL QUE O ABUSO SEXUAL
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