Índice
É inaceitável o desaparecimento do indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Philips.
A presença de pescadores e caçadores que atuam ilegalmente e em conjunto com traficantes de drogas no Vale do Javari, terra indígena onde os dois desapareceram, no Amazonas, é tema de estudos e denúncias às autoridades desde 2013.
Uma pesquisa realizada em 2013 na tríplice fronteira de Brasil, Peru e Colômbia, onde fica o Vale do Javari, revelou que pelo menos 278 toneladas de caça ilegal são comercializados por ano nas cidades brasileiras de Benjamin Constant e Tabatinga, na colombiana Letícia e na peruana Caballococha.
Segundo especialistas, há uma rede de relações entre pescadores ilegais e traficantes colombianos e peruanos estabelecida há décadas na região.
O estudo revelou que 78% de toda a carne animal que circula na região é proveniente de bichos brasileiros mortos de maneira ilegal, uma vez que a caça e a pesca são apenas permitidos para subsistência dos indígenas.
O investimento na produção de pescados é feito para lavar dinheiro, mas também para usá-los como esconderijo para a cocaína.
O mercado movimenta toneladas de carne que, na maior parte das vezes, é vendida no Peru e na Colômbia.
Enquanto no Brasil o pescador costuma receber R$ 5 pelo kg do pirarucu, na Colômbia e no Peru se paga até R$ 15.
Para Guillermo Estupiñán, especialista no combate ao tráfico de animais silvestres da Wildlife Conservation Society (WCS-Brasil):
“Por isso o pescador continua vendendo peixe ilegal: o legal não tem um bom preço. A gente sabe que muito dessa produção vai para Peru e Colômbia. Pagam mais porque o pirarucu não é muito abundante por lá. Há um fluxo intenso. E o pescador fica muito mais motivado a vender fora do que dentro do Brasil”.
Com até três metros de comprimento e mais de 100 quilos, o pirarucu, é um dos peixes mais disputados no comércio de carnes ilegais da região, junto com
Beto Marubo, liderança da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), faz a ressalva:
“Cada tonelada de carne de caça e pescado, todas juntas, rende entre R$ 70 mil e R$ 100 mil”.
Ver essa foto no Instagram
Um estudo de 2019 feito pelo geógrafo Conrado Octavio e pelo ecólogo Hilton Nacimento, do Centro Trabalho Indigenista do Instituto Sociambiental (ISA) indicou que a pesca ilegal ocorre em todo o Vale do Javari e constitui “a principal ameaça atual aos isolados“.
Já a presença de traficantes de drogas é reportada desde a década de 1980 na região de fronteira.
De acordo com a pesquisa, as principais forças econômicos da região são:
Em agosto de 2020, a Associação dos Kanamari Vale do Javari (Akajava), outra representação indígena que atua na região onde o indigenista e o jornalista sumiram, informou às autoridades da necessidade de proteção na área.
Em dois ofícios, a Akavaja mencionou a existência de pescadores que salgavam a água dos rios para retirar tracajás, espécie parecida com uma tartaruga, comum na Amazônia.
Até agora, nada foi feito.
O delegado federal Alexandre Saraiva, ex-superintendente da Polícia Federal em Roraima e no Amazonas ressalta:
“Ali é a Rota do Solimões, onde a organização que tem as armas mais pesadas é o tráfico, então é natural que o tráfico domine todas as outras categorias criminosas. O traficante vai autorizar a pesca ilegal conquanto que o pescador dê em troca uma parte do seu lucro. O que o traficante nunca vai deixar acontecer é alguém ganhar dinheiro na área dele sem pagar nada”.
A PF relata já ter feito muitas apreensões de pescado com droga no meio. Já foi apreendido cocaína dentro do pirarucu, segundo o delegado.
Numa das operações policias, foi identificado uma rede de pescadores que traficava tartarugas de 60 quilos, vendidas a R$ 1000 cada.
Saraiva ainda afirma:
“Para a organização criminosa tanto faz se ela vai ganhar dinheiro com pescado ou com cocaína, às vezes o peixe e a madeira dão mais dinheiro que a droga, mas com risco menor”.
A Polícia Federal investiga o envolvimento de Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado, que confessou ter matado Dom e Bruno, com narcotraficantes de países vizinhos.
A suspeita é de que dinheiro do narcotráfico internacional esteja financiando a pesca ilegal em terras indígenas.
O pescador Pelado costumava obter itens como gelo, sal e gasolina de um vendedor apelidado de “Colômbia”, que mantém uma loja flutuante no povoado peruano de Islândia, às margens do rio Javari.
Segundo um morador de Atalaia do Norte, o material era usado por Pelado e sua quadrilha que, em troca, forneciam os pescados como pagamento e embolsavam a diferença.
O superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Fontes, disse aque além de Pelado, que confessou os assassinatos, seu irmão Oseney da Costa de Oliveira e Jeferson Lima estão presos em Atalaia do Norte.
Casado com a irmã de Pelado, o pescador Laurimar Lopes Alves, o Caboclo, ou “Cabôco“, membro da mesma quadrilha de pescadores ilegais que o cunhado, é um dos pescadores mais antigos do município de Benjamin Constant.
E um dos invasores mais recorrentes da terra indígena Vale do Javari, segundo a Univaja.
Em abril de 2000, um grupo de três pescadores atirou sete vezes com uma espingarda contra a equipe de vigilância da entidade.
Ribeirinhos disseram que entre os atiradores estavam um filho de Laurimar e outro integrante da sua quadrilha de pesca ilegal.
Conforme relatou Eliésio Marubo, advogado da Univaja, vários flagrantes de pesca ilegal feita por homens armados foram reportados pela organização indigenista à Funai e à Força Nacional, mas não houve resposta das autoridades.
O integrante da Unijava, Beto Marubo, faz um apelo:
“O Caboclo é uma pessoa recorrente já há muito tempo, tem processos na Justiça Federal envolvendo a invasão de terra indígena. É um cara que tem um histórico de invasão recorrente à terra indígena, uma pessoa que está totalmente envolvida, não por acaso consta nos relatórios da equipe de vigilância da Univaja praticando inúmeros ilícitos na terra indígena, muito relacionados à caça e à pesca. E faz parte sim dessa quadrilha que vem nos ameaçando e causou a morte do Bruno e do nosso parceiro Dom”.
Cabôco já é manchete de jornal há mais de 20 anos, quando um indígena Korubo viu seus pais serem assassinados a tiros de espingarda.
Entre os assasinos, Laurimar.
O indígena Xixu descreveu como moradores da comunidade de Ladário, às margens do rio Itaquaí, onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos, e onde Laurimar ainda vive, tinham matado seus familiares:
“Dez de meus parentes foram assassinados por madeireiros e pescadores: Yoó (pai de xixu), Thumá (Mãe), Manoá, Pasto, Pati, Moó, Tiquet, Batavia, Marochein e Kaniual.
Foram os pescadores do Ladário que mataram nosso povo. Posso mostrar onde estão os corpos dos meus pais”.
Os Korubos foram vistos nas margens dos rios Itaquaí e Ituí pela primeira vez em 1920, e contatados pela Funai em 1996.
Em julho de 1999, segundo um informe do Instituto Socioambiental (ISA), o então vereador Edmar Chagas, de Atalaia do Norte, foi acusado de resgatar três pescadores presos no caminho para a delegacia da PF em Tabatinga.
Cabôco estava entre eles.
O trio tinha sido flagrado com
Pastor da Assembleia de Deus em Atalaia do Norte e ex-secretário municipal de Produção Rural, atualmente Edmar Chagas é porta-voz dos pescadores da região, entre eles Pelado.
Com os governantes e autoridades a favor da barbarie que acontece na região Norte do Brasil, fica difícil viver em um país com políticas contra os povos indígenas.
Com frequência, lemos e assistimos notícias brutais sobre o que acontece na Amazônia e nas áreas de fonteira do país.
Queremos jornalistas e ambientalistas livres.
Queremos que a causa indígena prevaleça.
Queremos um país que luta pelo seu povo.
Ver essa foto no Instagram
#QuemMandouMatarBrunoeDom?
Talvez te interesse ler também:
Paradeiro de indigenista brasileiro e jornalista inglês segue um mistério
Garimpos fantasmas: com maquiagem de dados, garimpeiros exploram ouro em terras indígenas
Líder indígena Sônia Guajajara é uma das 100 pessoas mais influentes do mundo
Categorias: Sociedade
ASSINE NOSSA NEWSLETTER