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O racismo institucional está ainda mais evidente, seja no Brasil, seja nos Estados. Protestos antirracistas também tomaram conta das ruas de Londres e Paris, mostrando que a pauta racial precisa ser encarada em todo o mundo e por todo mundo.
Brasil e Estados Unidos, a despeito de suas diferenças históricas, têm em comum a institucionalização do racismo. Os dois países, que são os maiores da América, fizeram da escravização de africanos o motor de suas economias e, obviamente, ao fim da escravidão ficaram marcas sociais indeléveis.
A escravidão deu lugar à institucionalização do racismo, deixando à margem dos progressos nacionais os negros – e, no Brasil, também, os povos indígenas.
O conceito de biopolítica adotado pelo filósofo francês Michel Foucault, em seu curso de 1976 “Em defesa da sociedade”, ajuda a elucidar essa relação entre racismo e Estado, ou seja, a estatização do biológico. O Estado passa, então, a assumir o poder sobre a vida – e, também, sobre a morte a partir da relação entre política e vida.
Se a vida passa a ser um direito, o Estado assume a atitude de fazer viver e fazer morrer, seja em termos de corpo individual, seja em termos de corpo social.
É aí também que a necropolítica, conceito desenvolvido pelo filósofo camaronês Achille Mbembe, reatualiza o conceito foucaultiano modernamente ao questionar esses limites da soberania do Estado para escolher quem deve viver e quem deve morrer.
Ao UOL, Diogo Silva explica que o racismo é um ato de violência que coloca um grupo étnico em uma condição de inferioridade em relação a um outro pela cor de sua pele, suas crenças e sua cultura. A ideia de que haja uma superioridade racial, que se tornou bastante conhecida, por exemplo, com a expressão “supremacia branca”, é construída para distinguir povos de acordo com certos padrões.
Situando o conceito de biopolítica, as vidas estão distribuídas em escalas de valor e utilidade. No racismo, essas escalas se tornam evidentes nos padrões construídos como superiores e inferiores através de mecanismos reguladores que naturalizam as diferenças de forma negativa e perversa.
Na quarta-feira (3), o pesquisador brasileiro da Universidade de Columbia (Nova York), Ronilso Pacheco, deu uma entrevista a Globo News para comentar o discurso do ex-presidente Barack Obama sobre as manifestações do Black Lives Matter nos Estados Unidos, mas aproveitou para analisar, também, as diferenças entre o racismo institucional lá e cá.
Um dos pontos levantados por Pacheco é que a questão racial nos Estados Unidos é uma pauta política, ao contrário do Brasil, onde o racismo funciona tão perfeitamente que ela é escamoteada. Ele exemplifica o problema, por exemplo, com a relativização de assassinatos em favelas, cuja pauta racial é silenciada pela social.
Outro exemplo que ele dá é que no Brasil os executores de negros são os próprios negros, que ocupam as mais baixas patentes nas Forças Armadas e nas Polícias Militares.
Outro caso emblemático do racismo estrutural no Brasil veio à tona, ontem, com a morte de um menino de 5 anos em Recife. Miguel Otávio Santana da Silva acompanhava a mãe, Mirtes Renata Santana da Silva, emprega doméstica, em seu trabalho. Mirtes saiu para passear com o cachorro da patroa, enquanto esta se comprometeu a cuidar de Miguel.
As imagens do circuito de segurança do condomínio de luxo mostram que Miguel entrou no elevador em busca da mãe, mas foi detido pela patroa de Mirtes. Em uma segunda tentativa, a criança aperta o interruptor de vários andares e a moradora deixa a criança entrar no elevador sozinha, observando-a até que o equipamento se feche, segundo a TV Jornal.
A patroa de Mirtes foi autuada por homicídio culposo pela morte de Miguel, decorrente de uma queda do 9º andar do edifício, configurado como ato de negligência da moradora, que estava fazendo as unhas no momento da queda.
Será que se Miguel não fosse o filho da empregada, mas de uma amiga, ele teria sido deixado sozinho, à própria sorte? O resultado é que a mulher branca e rica pagou uma fiança no valor de R$ 20 mil e foi liberada do cárcere, enquanto a mulher negra perdeu o seu filho.
Muitos noticiários não colocaram a questão racial como ponto central dessa história. A empregada doméstica está trabalhando normalmente em meio à pandemia do coronavírus porque a mulher branca não pode cuidar de sua própria casa, de seus filhos e de seu cachorro. Provavelmente porque a escola do filho de Mirtes não está funcionando, ela teve que levá-lo ao trabalho. Ela não tinha escolha, porque tinha que trabalhar para manter os privilégios da patroa branca e rica.
Essa não é apenas uma história triste sobre a negligência de uma mulher que provocou a morte de uma criança e pagou uma fiança para não ir para a prisão, mas é um sintoma do racismo que estrutura a sociedade brasileira.
A própria arquitetura do edifício de luxo, denominado de Torres Gêmeas, é uma violência à cidade de Recife. Batrice Papillon, em artigo intitulado “Arquitetura do Racismo”, escreve ao GGN sobre o simbolismo da edificação. O apartheid social está sistematizado também nos projetos urbanísticos de nossos centros urbanos. Sobre isso, existem vários estudos de historiadores, arquitetos e urbanistas sobre a favelização das cidades.
Essa ferida exposta, que nunca foi cicatrizada, precisa ser tratada pois nos adoece como sociedade. Ela demonstra que temos uma crise civilizatória para resolver.
Em toda a América, cerca de 200 milhões de pessoas se autoidentificam afrodescendentes. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou que 2015-2024 é a Década Internacional de Afrodescendentes, para que a comunidade internacional reconheça que os povos afrodescendentes representam um grupo cujos direitos humanos precisam ser promovidos e protegidos.
No Brasil, diariamente vemos casos de racismo estrutural sendo silenciados ao serem abordados por outro viés. O racismo passa pela desumanização, tal como ocorria à época da escravidão. Quem se importa com a morte de mais uma criança negra: Agatha, João Pedro, Miguel? Estes são os nomes mais recentes dessas tantas crianças e adultos invisibilizados na vida e na morte e que são esquecidos pela História.
Somente nos libertamos de um problema quando o reconhecemos e cuidamos dele. Essa luta não é apenas dos negros, ela é de toda a sociedade brasileira. Como ensina ainda Foucault, o poder deve ser entendido no plural, como poderes. E é na tensão das relações entre poderes que devemos exercer o poder de resistir e lutar.
É preciso denunciar e se posicionar contra isso. A Change.org está recolhendo assinaturas para uma petição on line cujo objetivo é pressionar as autoridades na resolução do caso da morte de João Pedro, assassinado dentro de casa no Complexo do Salgueiro – mais um caso de racismo institucional, no qual a polícia atirou em uma criança negra moradora de periferia.
Como podemos, no nosso cotidiano, combater o racismo? A filósofa Djamila Ribeiro, que é autora do “Pequeno Manual Antirracista”, fala sobre isso em uma entrevista para a BBC News Brasil a partir da análise dos protestos contra a violência policial (um mecanismo institucional) contra negros no Brasil e nos Estados Unidos.
Djamila é, atualmente, uma das vozes mais influentes do movimento pelos direitos das mulheres negras no Brasil e seus livros já foram traduzidos para várias línguas. Ela está, inclusive, na lista da BBC das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo. Escutar o que ela tem a dizer já é um primeiro passo para ser antirracista.
Assista a sua entrevista para a BBC Brasil:
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