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É fundamental estarmos abertos a escutar as vozes lúcidas de poetas, filósofos, músicos, artistas em geral para termos um diálogo com “as antenas da raça”, como diz o poeta americano Ezra Pound.
Estamos sentindo muitas coisas e, às vezes, não temos vocabulário para elaborá-las. Estar em contato com outras sensibilidades pode ser um alento para nos ajudar na travessia dessa jornada flutuante.
Uma voz que tem sido uma espécie de farol para compreender algumas questões que a pandemia do novo coronavírus nos coloca é a do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, que estudou e dá aulas há muitos anos na universidade alemã. O MDZOL traz algumas elocubrações filosóficas de Han que, talvez por ter experiência de vida tanto no oriente quanto no ocidente, esteja fazendo pontes sobre como os dois lados do planeta têm lidado com o vírus.
O que a pandemia Covid-19 pode, ou não, deixar como legado, ou possibilidade, de transformação para a humanidade?
Uma preocupação posta por Han é estarmos vivendo um momento no qual sobreviver se tornou um absoluto, como em um estado de guerra. O termo biopolítica explica como o regime de vigilância pode passar a afetar ainda mais as nossas vidas, seja no corpo, através do monitoramento do nosso estado de saúde e, até mesmo, de nossos processos mentais, seja no espaço digital, onde ela já está instalada.
Isso pode fazer com que a pandemia se torne uma arma política que irá nos impor um regime de vigilância que nos levará a uma perda de liberdade, além de nos retirar o prazer de viver por causa do medo coletivo. O envelhecimento e a morte pareciam estar sendo controlados por nós através dos avanços científicos e médicos, mas veio um vírus nos dizer que somos mortais – é a presença da morte como um absoluto.
Outra questão posta pelo filósofo é que, apesar de o coronavírus nos escancarar a nossa mortalidade, visto que qualquer um pode dele ser vítima, as consequências da pandemia são mais mortais para os vulneráveis sociais, que não podem trabalhar de casa e dependem de programas assistenciais de governos. Aqueles que trabalham em áreas como saúde e limpeza também não podem realizar suas tarefas remotamente; já os ricos podem isolar-se em suas casas de campo ou de praia.
Isso mostra que a pandemia não é apenas um problema de saúde; ela também é um problema social. Observando o número de mortes decorrentes da Covid-19 na América do Sul e no restante do mundo, fica claro que a desigualdade social é um acelerador de contágios.
Com medo e à espera de um milagre, as pessoas podem ficar à mercê de supostos líderes que jogam com o medo. Em crises como esta, figuras autoritárias ganham terreno, declaram estado de guerra e ameaçam a democracia.
A relação entre biopolítica e governos autoritários torna-se evidente. A China, por exemplo, está mostrando ao mundo que o seu estado de vigilância foi efetivo no combate a pandemia em seu território, contrariamente ao valor da liberdade defendido pelas democracias ocidentais do eixo norte.
Esse “produto” pode estender-se dos limites asiáticos para o ocidente, instaurando uma mudança de era.
Por outro lado, o filósofo francês Edgar Morin espera que a crise atual sirva para revelar que a ciência é uma realidade humana e, assim como a democracia, se repousa sobre o debate de ideias. Embora muitas teorias tendam a se tornar dogmas, este pode ser um momento de tomada de consciência, tanto para os pesquisadores quanto para os cidadãos, da necessidade de compreender que nem as teorias científicas nem os dogmas religiosos são absolutos, mas sim biodegradáveis.
Ainda nesse sentido, ele nos lembra que a condição humana se dá pela incerteza, pela contingência – e é isso que o vírus vem nos reiterar. Morin disse ao CNRS que a nossa civilização nos inculcou a necessidade da certeza, mas a chegada do vírus vem nos mostrar que a incerteza é um elemento inexpugnável da condição humana.
Todas as assistências sociais jamais serão capazes de garantir que nós não cairemos doentes ou que seremos felizes. Nós tentamos nos acercar de um máximo de certezas, mas viver é navegar em um mar de oscilações. É como se navegássemos por um mar de incertezas atravessado por algumas ilhas e arquipélagos de terra segura para nos revitalizarmos.
Controlamos quase nada em nossas vidas. Vamos nos apegando a essas ilhas como se elas fossem maiores do que o mar. Mas o mar, embora tenha calmarias, se forma pelo fluxo do movimento das águas. E o coronavírus vem nos dizer, talvez, que o que nos reste seja apenas nadar.
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Categorias: Sociedade
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