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O isolamento social parece que atingiu em cheio principalmente as mulheres que acumularam as demandas do trabalho que exerciam fora de casa com as tarefas domésticas, com a diferença que tudo ficou ainda mais misturado e fora da rotina.
Muitas delas, mesmo acompanhadas, estão sozinhas, desamparadas, não sentem a mesma disponibilidade de seus parceiros para dividir as tarefas da casa.
Aumentaram os números de relatos pela internet, artigos em jornais e pesquisas acerca da sobrecarga emocional e de trabalho que recai sobre as mulheres, exacerbados em tempos de pandemia.
O isolamento social mostrou que as tarefas domésticas existem, que dá trabalho e que na maioria das vezes é realizado por mulheres. Muitos casais que tiveram que conviver 24 horas por dia no mesmo ambiente e, dividir as tarefas, perceberam que “cuidar” da casa vai muito além de lavar a louça ou fazer o jantar.
Mas não se trata somente de dividir tarefas físicas. É muito simples a divisão de quem lava a louça, quem arruma o quarto, tira o pó, lava roupa. Existe um trabalho que é ainda mais invisível para a sociedade, é o esforço emocional, o trabalho mental exercido pelas mulheres.
Arrumar, limpar, guardar, cozinhar, são tarefas físicas. Organizar, manter, planejar, são tarefas mentais que demandam esforço emocional. Quantidade de alimentos na dispensa? Vencimento da mensalidade do inglês? Reunião da escola online? O que está congelado no freezer? Onde guarda o pano de chão? Demandas invisíveis que geralmente não são compartilhadas com os pares.
É como ilustra muito bem o título do livro de Ruth Manus, “Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas”.
Planejamento, organização, tomada de decisão, desde a saber se tem manteiga para o café da manhã ou qual será o cardápio do dia, da semana, do mês, cabem às mulheres e, aos homens, cabem “ajudar” na execução das tarefas já planejadas.
Fica claro que as mulheres acumulam tanto as tarefas físicas, quanto as mentais e esse esforço é invisível, não é reconhecido, nem visto, nem falado, nem dividido.
Cabe à mulher esse trabalho a mais, para pensar tudo o que acontece, sobretudo no território da casa e no andamento e organização da família.
O problema é que essa carga emocional é arraigada, aprendida por conta da sociedade patriarcal que, embora venha mudando com disseminação de ideias e novos conceitos e lutas feministas, ainda serviu de base educacional das mulheres adultas de hoje. A mudança cabe à nova geração, a partir dos ensinamentos da construção dessa nova família.
Com o isolamento social parece que essa situação ficou muito mais latente. Foi retirado de debaixo do tapete que essa carga emocional existe.
Os maridos perguntam onde está a panela, onde guarda o sabão em pó, acabou o detergente, que horas é a aula online do filho, qual organização do dia para uso do escritório compartilhado, enfim, tarefas que vão muito mais além de varrer ou lavar a louça.
Estão à prova quem é que trabalha e como cada um trabalha. Tanto as mulheres quanto os homens perceberam que é necessário que a estrutura, a engrenagem esteja funcionando para que o outro vá e execute simplesmente a tarefa.
Essa engrenagem, esse engendramento, cabe quase que exclusivamente às mulheres, deixar tudo pronto à disposição para o outro fazer.
Mesmo se pensarmos nas classes sociais mais altas, que contam com empregados para fazerem o trabalho doméstico, essa terceirização das tarefas exigem uma coordenação que é exercida pelas mulheres.
Agora vamos pensar na situação daquela mulher que não trabalha fora e que é sustentada pelo marido que tem uma posição na qual ele exige que a mulher execute as tarefas domésticas porque ele paga os custos financeiros da casa.
O que ele não percebe é que o dinheiro não se transforma apenas em moradia, roupa e comida, existe um trabalho que transforma aquele alimento numa refeição, aquela roupa limpa e passada guardada numa gaveta, numa casa arrumada para relaxar.
Biologicamente falando, não há nada que comprove que tarefas domésticas são instintivamente femininas, pelo contrário, mas a sociedade como se apresenta comprova que é muito mais cômodo incutir no feminino a habilidade para exercer esse trabalho e de graça.
O cenário fica ainda pior quando se fala das mães. No universo feminino, as mães têm um acréscimo expressivo da sobrecarga emocional e ficam que quase exclusivamente responsáveis pelo bem-estar de outra pessoa, com o seu desenvolvimento de saúde, físico, mental, escolar e afins.
Mas além da carga emocional da coordenação e gestão da casa, ainda tem a carga emocional de manter o corpo e a beleza, que também é um enorme trabalho de se fazer um objeto desejável continuamente. E o trabalho é dos pés à cabeça. Quanto custa de energia cuidar do cabelo, cor, tintura, o corte, a sobrancelha, depilação, a cirurgia, o dente, o clareamento, a make, a moda, o peito, a barriga, todo o teu corpo, exigem que a mulher dê conta de tudo isso.
Fica também evidente que as mulheres que assumem sozinhas a organização e planejamento da casa e que ainda trabalham fora e que ainda tenham filhos, ficam mais sobrecarregas, mais estressadas, nervosas e deprimidas.
Não é à toa que o uso de medicamentos ansiolíticos é utilizado por um número de mulheres maiores que os homens.
Mas com a quarentena, muitas mulheres estão percebendo que é possível, dentro da rotina do casal, que ambos assumam e dividam essas responsabilidades.
O ponto da questão é como fazer isso sem gerar tanto conflito e embates. Afinal estamos falando de trabalho, de divisão social de trabalho. Quem pode, quando pode, quem tem tempo, enfim, questionamentos que podem gerar controvérsias sobre a separação dos papéis preexistentes.
Talvez o isolamento social traga mudanças substanciais e faça a roda girar. A consciência é a primeira delas.
Saber da existência dessa demanda emocional, ter consciência que as responsabilidades devem e podem ser divididas é o primeiro passo para a mudança de hábitos.
A solução para esse problema é simples mas não é fácil. Tire do armário o esforço emocional que carrega sozinha, exponha suas exigências e demandas e distribua entre os membros da família, é um ótimo começo, até porque, aprendizado é vivência.
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