No Japão limpeza é coisa séria e se aprende na escola


Muitos dos que já foram ao Japão encantaram-se com o alto nível de organização e limpeza de locais públicos e privados. Outros a consideram excessivamente austera. Mas quais serão a origem e os impactos dos hábitos de limpeza dos japoneses?

Quem não se lembra dos japoneses limpando os estádios após os jogos da Copa do Mundo na Rússia, em 2018? De onde vem essa “obsessão” pela limpeza no país asiático?

De acordo com o site Japão em Foco, no país há o seguinte ditado: “Tatsu tori ato wo nigosazu”, traduzido em português como: “Um pássaro não suja o ninho de que está prestes a sair”. 

Esse ditado dá a dimensão da importância de limpar qualquer lugar por onde você passa antes de deixá-lo, revelando um princípio de cooperação e de sentido comum para com aqueles que virão.

E pasmem, não há muitas lixeiras públicas nas ruas das cidades japonesas. A razão disso é que o lixo é responsabilidade de quem o produz, então, as pessoas carregam consigo o seu próprio lixo para jogá-lo na lixeira de casa ou na mais próxima que encontrarem. Em Tóquio, por exemplo, uma metrópole superpovoada, chama a atenção a limpeza das vias públicas.

Limpeza se aprende na escola

Desde a infância, os japoneses são ensinados a limpar os espaços que habitam. As crianças, na escola, limpam as salas de aula após o seu uso. Os maiores visitam as salas dos menores para ajudá-los a limpá-las, em uma atitude de responsabilidade e cooperação.

O primeiro lugar a ser limpo é o lar. Quem não se lembra da série da Marie Kondo, no Netflix? Ela ajuda pessoas bagunceiras a deixarem as suas casas sem entulhos, limpas e organizadas. Essa tarefa é bem fácil para um japonês, já que é um hábito positivo manter a casa e o ambiente de trabalho limpos. Sem falar que em hospitais, escolas, santuários e lares é proibida a entrada de pessoas calçadas, afim de evitar que a sujeira de fora entre dentro desses locais.

Durante os 12 anos de vida escolar, a limpeza é componente da grade diária dos alunos. Eles já trazem essa disciplina de casa, já que os pais lhes ensinam que é negativo não manter suas coisas e espaços comuns limpos. Quando chegam à escola, os alunos deixam seus sapatos em armários e trocam de roupa.

Limpar o planeta

Claro que atitudes como essas impactam o meio ambiente. Tanto que no país oriental a separação do lixo é tratada com muita seriedade, não se limitando a jogá-lo em lixeiras adequadas. Em cada bairro há um sistema próprio de coleta de lixo. Cada item do lixo reciclável é separado um do outro e deve ser limpo antes de ser dispensado, bem como seus rótulos devem ser retirados individualmente.

Nos dia de coleta do lixo reciclável, há várias regras a serem respeitadas. Ainda no espírito de cooperação, os vizinhos se revezam na tarefa de averiguar se todos os demais fizeram a correta separação do lixo e deixaram-no organizado, prática conhecida como “gomi toban”.

Não existem garis

No Japão não existe a profissão de gari, logo quem faz a limpeza são os próprios moradores e proprietários de estabelecimentos. Todos os dias pela manhã, as pessoas limpam o entorno de suas casas e comércios. As tarefas de limpeza não se restringem apenas ao lixo. Podar árvores, cortar os seus galhos, limpar parques e banheiros públicos, catar bitucas de cigarro são atividades realizados por moradores que prezam por ter o seu bairro limpo e bem cuidado.

O transporte público – geralmente imundo na maioria das cidades do mundo – é limpíssimo no Japão. O país usa o sistema de limpeza shinkansen, conhecido como o “milagre dos 7 minutos”, que consiste no trabalho realizado por uma equipe que recolhe lixo, limpa as mesas, assentos e chão durante o intervalo de 7 minutos aproximadamente. Nos ônibus de longa distância, uma sacola de lixo individual é disponibilizada em cada assento para que os passageiros depositem o seu lixo.

Você também já deve ter visto japoneses usando máscaras cirúrgicas. É que quando eles estão resfriados ou gripados usam-nas para evitar a proliferação de germes, vírus e bactérias e, assim, não infectar outras pessoas.

Origem da limpeza

Como será que os japoneses chegaram a esse nível de limpeza impecável?

Uma hipótese está relacionada às religiões tradicionais do Japão, segundo a BBC News BrasilTanto o xintoísmo quanto o budismo japonês associam a limpeza física com a espiritual. Alguns rituais são expressamente seguidos nos templos religiosos, como lavar as mãos e a boca antes de entrar nos santuários xintoístas. No budismo, a limpeza externa é uma consequência de uma mente pacífica e limpa, bem ao estilo Marie Kondo.

O xantoísmo é anterior ao budismo no Japão. Para aquela religião, a limpeza é elemento básico para chegar ao “caminho dos deuses”. Um conceito-chave no xintoísmo, de acordo com a BBC, é o kegare (impureza ou sujeira). Por isso, rituais de purificação são muitos comuns para afastar o kegare. A sacerdotisa xintoísta no santuário de Kanda, em Hiroshima, Noriaki Ikeda, explica que: “Se um indivíduo é atingido por kegare, pode prejudicar a sociedade como um todo. Portanto, é vital praticar a limpeza. Isso purifica e ajuda a evitar trazer calamidades à sociedade. É por isso que o Japão é um país muito limpo”. Ou seja, a limpeza é um hábito pragmático derivado de uma crença coletiva.

Uma outra hipótese diz respeito a epidemias, infecções e intoxicações alimentares que assolaram o país no passado, o que teria levado os japoneses a praticarem a limpeza e higiene pessoal para evitar esses problemas.

Quando o primeiro inglês, Will Adams, pisou no Japão, encontrou uma “nobreza extremamente asseada” e um sistema de saneamento “imaculado”, quando as ruas da Inglaterra “frequentemente transbordavam de excrementos”. Os japoneses “ficaram horrorizados” com a falta de cuidado dos europeus com a higiene pessoal, conta o biógrafo do marinheiro, Giles Minton.

O Japão é um país quente e úmido, um lugar perfeito para a proliferação de bactérias, presença de insetos e o estrago de comida. Logo, ter uma boa higiene sempre foi uma questão de sobrevivência.

A literatura japonesa atesta as práticas de higiene no país. As descrições nos livros de Haruki Murakami e em O Livro do Chá, de Kakuzo Okakura, a sala onde o ritual do chá é realizado é descrita como absolutamente limpa:

“Nenhuma partícula de poeira será encontrada no canto mais escuro, porque, se houver alguma, o anfitrião não é um mestre do chá”.

Sigamos o exemplo

Para nós pode parecer paranoia esse “excesso” de organização e limpeza dos japoneses, mas também pode ser visto como zelo e práticas que recaem muito mais no senso de comunidade do que no individualismo.

Agir pensando que “não fui eu que sujei, então, não vou fazer nada” é uma atitude de desresponsabilização pela vida comunitária, o que não faz bem para ninguém nem para o todo.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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