De acordo com dados fornecidos pelo Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, a polícia nunca matou tanto quanto agora. A informação foi divulgada pelo O Globo nesse domingo (22), quando o corpo da menina Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, foi enterrado no Cemitério de Inhaúma, na Zona Norte do Rio.
Morta na noite de sexta-feira (21), depois de ser atingida por um tiro nas costas quando estava dentro de uma kombi no Conjunto de Favelas do Alemão, a tragédia que chocou o Brasil revela, mais uma vez, a vulnerabilidade da população pobre e negra das periferias do país.
A família e testemunhas que se encontravam no local negaram a afirmação da polícia de que havia um confronto no momento dos disparos. O avô de Ágatha, que acompanhava a menina, deu uma declaração emocionante:
“Foi a filha de um trabalhador, tá? Ela fala inglês, tem aula de balé, era estudiosa. Ela não vivia na rua não. Agora vem um policial aí e atira em qualquer um que está na rua. Acertou minha neta. Perdi minha neta. Não era para perder ela, nem ninguém”, disse.
A fala desse homem da periferia no momento em que recebe a notícia da morte da neta é muito reveladora da desigualdade estrutural da nossa sociedade e repete um padrão que não pode passar despercebido: frequentemente, quando famílias pobres, negras, da periferia perdem seus entes queridos devido à ação de agentes do Estado, em meio à mais profunda dor, elas se veem na obrigação de justificar que são honestas e que não mereceriam morrer. Podem reparar.
Aconteceu com os cinco jovens fuzilados quando saíram para comemorar o primeiro emprego de um deles. Aconteceu com o garçom Rodrigo Alexandre da Silva Serrano, de 26 anos, quando, há um ano, esperava a mulher em um ponto de ônibus com um guarda-chuva que foi confundido com um fuzil. Aconteceu também com Hélio Ribeiro, em maio de 2010, quando ele usava uma furadeira para consertar o telhado de casa. Este ano, ficamos chocados com a morte do músico Evaldo Rosa dos Santos, morto em uma ação do Exército brasileiro.
Todos casos de pessoas consideradas suspeitas a priori, por causa da condição social, do CEP e da cor da pele. A repercussão que receberam mostra que, pelo menos aparentemente, a vida nas favelas importa para muita gente. Nas redes sociais, foram muitas as homenagens à menina Ágatha.
Este é o Fábio Assunção no enterro da menina Ágatha Félix. Só queria dizer que esse homem é maravilhoso. ❤️
Repassem até chegar até ele pic.twitter.com/1bHQWAyXuo
— elton (@eltonldd) 23 de setembro de 2019
Mas por que continuamos a matar nosso povo? Por que apesar dessa sucessão de choques, de morte após morte, permanece o status quo e as políticas violentas em nossa sociedade?
Até hoje, feito nossos antepassados colonizadores, parecemos repetir a crença de que algumas vidas valem menos que outras. Será possível evoluir mantendo esse tipo de mentalidade?
É por isso que intelectuais, como o sociólogo Jessé de Souza, vêm insistindo que o maior problema do Brasil é a nossa conta ainda aberta com a escravidão. São as correntes desse passado se arrastando pelo presente que comprometem nosso futuro como Nação.
Um futuro que jamais chegará se não olharmos para essa história de dor, se não olharmos para as feridas abertas e não estancarmos esse sangue negro que jorra das favelas e nos mancha por inteiro, a todos, sem exceção.
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Fonte foto: arquivo familiar El Pais
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