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A violência de gênero é um grave problema social no Brasil. O país é um dos que apresenta uma das mais altas taxas de crimes contra mulheres, o que revela uma naturalização cultural da violência praticada contra elas.
No Brasil, ocorrem 13 feminicídios por dia, segundo o Atlas da Violência 2019, o que faz do país um dos recordistas em morte de mulheres no mundo. Apenas em 2019, 92.323 denúncias foram registradas e encaminhadas pelo Ligue 180, canal do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, número que representa 25,3% a mais de denúncias do que em 2018, informa o Correio Braziliense.
O número de assassinato de mulheres também aumentou 63%, comparando dados entre julho e dezembro de 2017 e 2018. No mesmo período, os casos de feminicídio também dispararam: de 2.749 para 4.018 no mesmo recorte de tempo, representando uma alta de 46%. É preciso considerar, ainda, que tais dados são muito mais alarmantes se considerarmos que tais crimes são subnotificados.
Como lidar, então, com um tipo de violência enraizada culturalmente em nossa sociedade? A lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/ 2006, foi uma resposta legal importante no enfrentamento da violência contra a mulher. É o que constata Denise Falcke, doutora em Psicologia e professora da Escola de Saúde da Unisinos, sobre os avanços em termos de legislação, informação e atendimento a mulheres vítimas de violência:
“Dados mostram que, em 2006, quando da criação da Lei Maria da Penha, houve uma redução de casos. Porém, nos anos seguintes os números voltaram a subir”.
Por isso, apenas a judicialização dos casos é insuficiente para se combater o problema. É preciso que haja, também, uma abordagem sociológica para a compressão das causas da violência contra a mulher e uma atuação multidisciplinar com os praticantes dos vários tipos de violência dos quais as mulheres são vítimas.
Conforme analisa a antropóloga Rita Segato, uma das principais intelectuais latino-americanas que pesquisa o tema violência de gênero, em uma entrevista feita pelo Instituto Humanistas Unisinos:
“Não quero somente consolar uma vítima que chora. O ponto é como educamos a sociedade para entender o problema da violência sexual como um problema político e não moral”. Segato avalia que o papel do feminismo não deve ser o de colocar os homens como inimigos naturais das mulheres. Pelo contrário, deve-se preparar a sociedade para enfrentar um outro e verdadeiro inimigo: a ordem patriarcal.
É pensando no problema da violência contra a mulher de forma sistêmica que um projeto vem sendo desenvolvido no Centro de Detenção provisória de Serra (Espírito Santo), com o objetivo de discutir violência contra a mulher e machismo com acusados de agressão e feminicídio.
De acordo com El Pais, a iniciativa discute com os próprios detentos questões como feminismo, machismo, assédio e violência através do diálogo e do meio audiovisual.
São doze detentos participantes do projeto – todos eles enquadrados nas leis Maria da Penha e de Feminicídio. Segundo Eliza Capai, uma das responsáveis pela iniciativa:
“O audiovisual permite a criação de empatia, de se colocar no lugar do outro. Os filmes trazem personagens com quem eles se identificam”.
Os responsáveis pelo projeto (um homem e três mulheres) consideram fundamental conversar com esses homens perpetradores da violência de gênero, a fim de que eles compreendam a sua origem e como ela se reproduz.
“Essa violência é normalizada desde sempre: eles crescem vendo o pai batendo na mãe, o tio na tia… A violência contra a mulher é naturalizada na sociedade como algo que sempre foi assim. É notável o histórico de violência familiar da maioria deles [que participa do projeto]”, afirma Eliza.
A reportagem de El Pais presenciou essa masculinidade tóxica no relato dos próprios encarcerados. Um deles, Alexsandro Rodrigues da Cruz (27 anos), contou:
“Eu cresci ouvindo do meu pai que homem não chora. Quando eu tinha 14 anos ele me disse: ‘Quando eu te der uma surra e você não chorar, você vai ter virado homem’. Aí ele me bateu de cinta. Aguentei firme. Depois fui chorar no banheiro”.
Com as oficinas, ele chegou à conclusão de que:
“Sem saber direito eu reproduzia esse comportamento na relação com meu filho. Já falei pra ele ‘para de chorar que chorar é coisa de veadinho. Eu achava isso normal antes [do projeto]. Pra você ter uma ideia: eu nunca tinha falado ‘eu te amo’ para o meu pai. Precisei vir para a cadeia para saber o valor de um abraço”.
Os homens receberam, no início do projeto, um caderno para que pudessem expor suas emoções e sentimentos, algo que muitos deles nunca puderam manifestar. O debate promovido nas oficinas se dá embasado em correntes feministas e no pensamento da filósofa estadunidense Angela Davis, que questiona:
“O quão transformador é o ato de simplesmente mandar um homem que cometeu violência contra mulher para uma instituição que simplesmente reforça e produz ainda mais violência?”. Em sua vinda ao Brasil, em 2017, ela afirmou: “Adotar o encarceramento como estratégia é nos abster de pensar outras formas de responsabilização”.
São com ações como as que vêm sendo realizadas no Espírito Santo que se pode, de fato, alterar a cultural patriarcal que coloca o machismo como ordem social.
Que mais projetos como esse sejam realizados não apenas com os condenados por crimes de violência contra a mulher, mas que sejam replicados em outros âmbitos, sobretudo entre os jovens, para que possamos construir uma sociedade que não vitimize mulheres e homens, os quais são, também, vítimas do patriarcalismo.
Confira AQUI a reportagem completa de El Pais.
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