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É triste reconhecer que o Brasil é um lugar perigoso para quem defende os direitos humanos. A expressão “direitos humanos” passou a ser um termo significante esvaziado pelos defensores do “politicamente incorreto”. Ambas as expressões, aliás, vêm sendo deturpadas para legitimar ações e discursos que violam a liberdade, o respeito e a tolerância – valores essenciais a um ambiente democrático.
Segundo a Organização das Nações Unidas:
“os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição”.
Tais direitos são garantidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, que estabelece as obrigações dos governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos atos, a fim de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indivíduos.
A Comissão de Direito Internacional foi estabelecida pela Assembleia Geral da ONU, em 1948, em um contexto pós-Segunda Guerra Mundial. Vale lembrar que a Carta da ONU, assinada em 1945, deixa claro que o objetivo do documento é preservar as gerações futuras do flagelo da guerra, que traz tanto sofrimento à humanidade, e reafirmar os direitos fundamentais de homens e mulheres, bem como estabelecer as condições de justiça e respeito ao direito internacional, a fim de que sejam promovidos o progresso social e melhores condições de vida às sociedades mundiais.
Logo, os direitos humanos não são uma invenção de partidos políticos de esquerda, mas sim a garantia de que possamos viver de forma plena independentemente de partidos e governos.
Em 2017, a Anistia Internacional divulgou, em Paris, um documento no qual o Brasil aparece como o país mais perigoso do mundo para ambientalistas. Naquela ocasião, a organização não governamental apresentou dados que apontavam a morte de 58 ativistas de janeiro a agosto daquele ano.
As mortes de ativistas que atuam contra o desmatamento e na defesa de trabalhadores sem-terra e pequenos agricultores não são um problema recente no país, haja vista o assassinato de Chico Mendes, em 1988, em uma emboscada nos fundos de sua casa, quando foi assassinado a mando por um grileiro de terras com histórico de violência em vários lugares do Brasil.
A morte de Mendes ocorreu em um momento em que o ambientalista havia ganhado grande notoriedade em todo o mundo pela sua luta em defesa da preservação da Amazônia, o que lhe rendeu o Global 500, prêmio da ONU, na Inglaterra, e a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society, nos Estados Unidos. Jornalistas e pesquisadores de todo o mundo visitaram-no nos seringais e difundiram suas ideias pelo mundo.
Mesmo com todo o respeito internacional – e, talvez, por isso mesmo -, as ameaças contra Chico Mendes aumentaram, a regularização dos conflitos fundiários não se solucionavam e a criação de reservas extrativistas não saíam do plano burocrático. O resultado foi o assassinato do ambientalista.
A ameaça a Chico Mendes e aos ativistas ambientais contemporâneos vem de lobbys poderosos relacionados a interesses privados sobre a exploração irregular de recursos naturais. Os responsáveis por esse tipo de crime agem impunes, já que não se deparam com uma ação mais efetiva das autoridades brasileiras.
Com o avanço da extrema direita, a violação aos direitos humanos tem preocupado o mundo todo. Por isso, vários políticos e intelectuais têm se aliado para a construção de uma Frente Progressista Internacional, a qual, segundo o político estadunidense Bernie Sanders:
“apesar das diferenças entre os vários regimes autoritários que vão sendo eleitos pelo mundo, existe muito em comum: hostilidade pelas normas democráticas, antagonismo face à imprensa livre, intolerância perante etnias e minorias religiosas e a ideia de que um governo deve ser egoísta financeiramente na gestão dos seus interesses“, informa o site português Sapo.
Causou repercussão, nas imprensas brasileira e internacional e nas redes sociais, a declaração do deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) de que não assumiria o seu mandato por não se sentir seguro no Brasil. O autoexílio de Wyllys, que foi eleito deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro com quase 25 mil votos, mostra a incapacidade de o Estado brasileiro proteger o direito de liberdade e de exercício político de Wyllys.
Wyllys escreveu em suas redes sociais e disse, em uma entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que abria mão de seu terceiro mandato consecutivo de deputado federal porque não se sentia seguro em permanecer no Brasil: “Quero cuidar de mim e me manter vivo”, disse o deputado ao jornal, fazendo referência ao assassinato de Marielle Franco e ao aumento das ameaças de morte que vêm recebendo.
Como se sabe, Jean Wyllys representa a causa LGBTTI no Brasil, o que há muitos anos vem lhe rendendo ameaças, as quais se intensificaram em novembro de 2018, quando o deputado recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos uma medida cautelar protetiva do governo brasileiro.
A advogada e relatora especial do Brasil na Comissão, Antonia Urrejola Noguera, afirmou à BBC News Brasil que
“o país não foi capaz de garantir segurança e condições básicas para que o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ) pudesse exercer suas funções”.
Urrejola disse, ainda, que a Comissão já havia cobrado do governo brasileiro proteção ao parlamentar em uma medida cautelar datada de 20 de novembro do ano passado.
Em 14 de março de 2018, foram assassinados Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, e Anderson Gomes, seu motorista, quando ela saía de um evento com jovens negras. O crime, cuja investigação ainda não foi concluída, tem sido tratado como crime político por sua provável relação com as milícias cariocas, as quais, por sua vez, são amparadas por alguns políticos.
Como noticiou El Pais, as investigações realizadas há quase um ano para descobrir os responsáveis pelo assassinato de Marielle aparecem vinculadas a pessoas próximas de políticos, as quais, hoje, são supostos responsáveis e executores do crime, como um ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e um ex-policial militar, membros do Escritório do Crime, que reúne matadores especiais.
Essa hipótese de relação do assassinato de Marielle com milicianos e políticos foi uma das motivações de Wyllys de não permanecer no Brasil e cumprir o seu mandato político, sobretudo, porque tanto ele quanto Marielle militavam pela mesma causa dentro do mesmo partido político.
Já na terra da garoa, quem recebe ameaças constantes é o padre Julio Lanceollotti, conhecido por acolher moradores em situação de rua em um trabalho pastoral de quase três décadas, conforme informa o Ponte. Os moradores de rua têm recebido ameaças em nome do padre, que diz não sentir medo, mas tristeza, porque os moradores de rua têm sido usados para atingi-lo. As ameaças da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar do Estado de São Paulo foram denunciadas por Lancellotti, que também lamenta que parte da sociedade paulistana queira fazer uma “higienização” nas ruas dos bairros onde moram, por causa do medo provocado pelo aumento da população de rua nos últimos anos.
Segundo o Ponte, existem 462 defensores de direitos humanos sendo atendidos pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos atualmente, no Brasil. Há, ainda, 108 pedidos de inclusão sendo analisados no momento.
São diversas as áreas de militância, mas a que mais solicita atendimento é a relacionada às causas indígenas e de direito à terra. Essa situação reflete o aumento do número de casos de assassinatos no campo, segundo levantamento da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que registrou 71 mortes decorrentes por conflitos de terra.
Um dos protegidos pelo Programa desde 2011 é Rivelino Zarpellon, que foi ameaçado de morte após testemunhar a chacina de Pau D’Arco, que deixou cerca de dez pessoas mortas por policiais militares.
Outro caso recente de ameaça que teve repercussão internacional envolveu a docente e pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB) Débora Diniz, que é reconhecida pela revista norte-americana Foreign Policy como um dos 100 maiores pensadores globais. A antropóloga e fundadora da Anis, instituto de bioética, em agosto de 2018, esteve presente em uma sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) para debater a ADPF 442, que diz respeito à flexibilização de leis que regulam o aborto legal no país. O seu discurso em defesa da legalização causou-lhe perseguições e ameaças de morte por parte de grupos fundamentalistas contrários a sua militância em questões de gênero e direito reprodutivo.
Diniz, em uma entrevista ao Correio Braziliense, avisou que “a politização de ressentidos” não irá calá-la. As ameaças foram tão graves que ela está de licença da UnB, foi incluída no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do governo federal e, atualmente, vive em outro país – não revelado por motivos de segurança.
A coordenadora da Justiça Global Melisandra Trentin afirmou ao Ponte que quem é ativista no Brasil corre sérios riscos, os quais recaem, principalmente, sobre quilombolas, camponeses e indígenas – e, agora, parece, também, impor-se sobre políticos.
Por isso, é fundamental o fomento de políticas públicas que ataquem as causas das violações aos direitos humanos, como a titulação de terras e a reforma agrária, entre outras medidas estruturais.
Como disse o ex-presidente uruguaio José Mujica a Jean Wyllys: “se cuide, porque os mártires não são heróis”. De fato, para lutar é preciso, antes, estar vivo.
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