Quando se fala em escravidão, algumas pessoas pensam se tratar de um tema do passado. Mas as formas de exploração do trabalho humano são plásticas e se adaptaram aos tempos modernos.
O conceito de “escravidão moderna”, conforme explica a historiadora Lilia Moritz Schwarcz em sua coluna na Nexo, é um tipo de exploração de pessoas forçadas a trabalhar por razão de dívida, por falta de vínculo empregatício ou de direitos trabalhistas garantidos por lei, além de trabalharem em condições degradantes em regimes coercitivos e jornadas de trabalho exaustivas.
Uma pesquisa realizada no mundo todo pela Walk Free Foundation, divulgada no dia 19 de julho, mostra que a escravidão é uma prática que resiste e vem acontecendo agora. O único país a receber um “A” na avaliação foi a Holanda e o pior conceito foi dado à Coréia do Norte, onde uma em cada dez pessoas vive em situação de escravidão, a qual é imposta pelo próprio Estado.
O relatório derivado da pesquisa analisa que as causas da escravidão moderna são contextos de crise e instabilidade, migrações forçadas, regimes ditatoriais, guerras e processos discriminatórios. As atividades produtivas que mais fazem uso da escravidão moderna são empresas de confecção de roupas e de artigos eletrônicos e fazendas de cana-de-açúcar e de pecuária.
Um estudo feito em parceria entre a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) revelou que, em 2016, 40,3 milhões de pessoas se encontravam em situação de “escravidão moderna”. O Brasil ocupa o 20º lugar no ranking por ter 369 mil “escravos modernos”, o que representa uma média de quase dois escravos a cada 1.000 habitantes.
De 2005 a 2017, o quadro do Brasil nesse cenário piorou e muito: em 2005, o país era elogiado pelo esforço em erradicar o trabalho compulsório; em 2017, o Brasil passa a ser criticado por causa da publicação de uma portaria, em 13 de outubro, que alterou a definição de trabalho escravo, com o claro objetivo de atender aos interesses da chamada “bancada ruralista”.
No texto da portaria, dificulta-se a punição da exploração humana e a fiscalização dos casos. Além disso, a recente Reforma Trabalhista, que tira direitos dos trabalhadores brasileiros, é outra medida que favorece a escravidão moderna no país. Outro ponto negativo do atual governo foi a tentativa de impedir a divulgação da “lista suja” das empresas acusadas de usar mão-de-obra escrava em suas atividades. Essa lista só chegou a ter publicidade, em 2017, por determinação judicial.
Schwarcz, em seu texto, lembra uma questão similar que aconteceu no século XIX: a Lei nº 581, de 4 de setembro de 1850, que estabeleceu “medidas para a repressão do tráfico de africanos”. A historiadora nos ensina que, no contexto beligerante entre Grã-Bretanha e Portugal sobre o fim da escravidão no Brasil, a lei Eusébio de Queiróz, nome do então ministro da Justiça, dava proteção aos interesses senhoriais na manutenção da escravidão – devido à posse legal dos escravos -, enquanto os traficantes viam o fim de seus negócios.
O tráfico negreiro, que já não tinha mais nenhum apoio internacional, tornou-se insustentável. O parlamento brasileiro, à época, publicou uma nota dizendo que a iniciativa para o fim do comércio de escravos partira dele! Vale muito a pena conferir os dados disponibilizados pelo projeto Slave Voyages sobre o número de africanos transportados por navios negreiros com bandeira portuguesa e brasileira.
Essa volta à História é um alerta de Schwarcz para que tenhamos condições de avaliar um importante índice: a oscilação, na agenda do Estado, sobre questões relacionadas a direitos – humanos.
Cerca de 150 anos separam a escravidão negreira da escravidão moderna no Brasil. Mas uma coisa em comum há na travessia dessa ponte: vontade política – ou a falta dela – para acabar com o trabalho escravo ou qualquer outra forma de exploração humana. A nossa história atual tem, infelizmente, repetido um erro do passado.
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