Com a publicação da revogação do decreto da reorganização escolar uma pergunta paira: é o fim da discussão sobre a reorganização escolar? Pelo contrário começa um embate amargo entre as partes envolvidas que deverá culminar em uma difícil convivência. Vitórias e derrotas políticas são importantes, mas se tornam efêmeras no decorrer do tempo.
O motivo é que as necessidades ligadas à educação continuam a carecer de amplo debate e em algum momento, soluções de fato. Agora os estudantes não podem ser meros espectadores mais.
Muito de seus protestos contra a reorganização baseavam-se em que fossem ouvidos. E o devem ser, no entanto descobrirão que a audição estatal se dá pelos olhos: deveriam escrever de maneira lógica e concisa suas propostas para que possam ter seu lugar garantido nas mesas de negociações. Sociologia, História, Filosofia e Geografia os despertaram, mas física, educação física matemática, língua portuguesa, biologia e química também são importantes à vida e também devem ser debatidas como forma de compreensão da realidade concreta.
Os alunos que estavam mobilizados estão em processo de desocupação dos prédios em que estavam, mas no momento de manter parte de suas consciências ocupadas com a responsabilidade que esse triunfo temporário lhes conferiu: eles exigiram ter voz, e serão cobrados disso, seja pelo Governo do Estado de São Paulo, seja pelos apoiadores, sejam até mesmo pelos que assistiam a suas ações apoiando ou reprovando passivamente suas ações. Estes jovens ganharam além da suspensão temporária da reorganização escolar, uma cobrança permanente que ela seja a melhor possível.
Mas afinal, cidadania exige sacrifícios: o preço da liberdade é a eterna vigilância disse certa vez um intelectual norte-americano. Esses jovens exigiram o direito de vigiar. Esperamos que eles entendam que o abandono dessa premissa dará respaldo àqueles lhes querem punir.
As matérias humanas assim como a arte nos despertam para vida social e política, mas a lógica cria os meios para que os sonhos deixem a esfera da suposição e se tornem meios de mudança e reconstrução. A lógica social deve ser uma tônica das negociações, que apenas começaram.
Falando em arte, houve a chamada virada cultural das ocupações onde vários artistas que curiosamente não deram declarações durante o momento mais tenso das ocupações, sejam apoiando, seja criticando os eventos em marcha: isso não deveria ser esquecido, nem pelos estudantes nem pela sociedade paulistana e a paulista. Compreendo que a festa vem depois da vitória, mas a cidadania toma a arte como uma forma de entender o mundo e os artistas devem se mostrar mais ativos no futuro. Ou, pelo menos, menos omissos.
Aliás, pensando em artistas e diplomatas, lembro que um teatrólogo francês disse certa vez que sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero. Como vejo muitos elogiando sinceramente o movimento dos estudantes, seja por motivos não tão sinceros, aqui me permito certos aforismos críticos aos estudantes.
* Cuidado para não se apaixonarem por elogios. Cuidado para não se apaixonarem pela situação onde estão. Cuidado para não se apaixonarem com discursos que os enaltecem.
* Cuidado para não se apaixonarem pelo esquecimento de seus objetivos.
* Cuidado para não se apaixonarem em perdoar os seus erros usando os de seu adversário como desculpa. Cuidado para não se apaixonarem pela vingança sem necessidade (vingança por necessidade pode ser chamada de Justiça). Em suma:
Creio que foi um maquiavélico intelectual florentino a estar atento para esse perigo.
E agora todos nós também não esqueçamos que a educação é uma bandeira geral, nacional e mundial. Não estamos sozinhos nesse problema, o que traz certo alívio e agonia. A liberdade não é doce. Ela é amarga como chá de boldo, porém, remedia os males de um país que viveu muito tempo em doce ignorância.
N.E: Texto de André Oliveira, professor do ensino médio no Estado de São Paulo e Mestre em História Social pela USP.
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Fonte foto: O Mal Educado
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