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O debate sobre a suposta neutralidade dos meios de comunicação sempre gerou polêmica, pois estes defendem que tudo podem dizer e o fazem amparados pelo direito à liberdade de expressão. A liberdade de expressão é um direito assegurado em regimes democráticos, mas todo mundo sabe (até uma criança) que não se pode ou deve dizer tudo o que vêm à mente, pois somos responsáveis pelo que dizemos e fazemos – e não poderia ser diferente em relação aos meios de comunicação.
Sempre foi (e mais do que nunca) é atual a discussão sobre a responsabilidade ética dos meios de comunicação. No tocante às mulheres, esse tema é de extrema relevância, pois o tratamento dado ao discurso que circula nos veículos de comunicação, tanto em conteúdos jornalísticos quanto de entretenimento, dissemina imagens que estereotipam as mulheres vinculando a elas, muitas vezes, valores negativos.
Um bom exemplo desse tipo de tratamento pela mídia está na forma como são noticiados crimes passionais. Em “nome do amor”, homens violentam e matam mulheres em “defesa de sua honra”. Muitas vezes as coberturas jornalísticas são benevolentes com os homens, ao não discutirem as motivações do crime, como se a culpa fosse da vítima.
Em 1940, o crime passional era considerado “privilegiado” quando um homem, ao matar sua mulher adúltera, o fazia para limpar a sua honra. Embora a lei tenha mudado de lá para cá, a cabeça de muitas pessoas ainda vive naquela época. Isso não acontece só aqui no Brasil. Há notícias de violência contra a mulher diariamente em todo o mundo. Estamos em 2017 e toda a sociedade tem a responsabilidade urgente de mudar esse pensamento. De acordo com a ONU, a taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo.
A Constituição Federal de 1988 determina a igualdade entre homens e mulheres e, por isso, na legislação, atualmente, é bem mais difícil ao agressor provar a tese da legítima defesa da honra, mas os meios de comunicação deixam brecha para que, no imaginário social, essa “justificativa” seja válida, fazendo perpetuar o machismo em nossa sociedade, ao invés de combatê-lo.
Toda pessoa que comunica tem responsabilidade sobre aquilo que diz. Quando quem comunica o faz de forma massiva, a responsabilidade ética não pode ficar escondida no nome de uma organização, como se ela fossem algo sem forma. Pelo poder propagador e difusor dos meios de comunicação, é fundamental que eles se comprometam responsavelmente com as ideias que veiculam.
Em textos jornalísticos que noticiam um assassinato de mulheres, expressões como “viajar sozinha”, estava “de madrugada na rua” ou “embriagada na boate” evidenciam o machismo e ajudam a culpabilizar a vítima de crime de feminicídio.
Outro exemplo de como os meios de comunicação escolhem palavras que não promovem a igualdade de gênero aconteceu ao tratar o caso de duas turistas argentinas que desapareceram no Equador ano passado, conforme lembrou o jornal El Pais em uma matéria especial sobre o 8 de março. Elas foram assassinadas a golpe por dois homens que confessaram o crime.
Noticiar esse tipo de crime escolhendo expressões como “viajava sozinha”, “usava uma roupa X”, “estava sozinha `a noite”, além de não ajudar a esclarecer o crime de feminicídio para a sociedade, ajuda a torná-lo banal e pior: até justificável.
Ilustra bem esse problema da banalização dos crimes contra a mulher o recente episódio envolvendo o ex-goleiro do Flamengo, Bruno de Souza, que está em liberdade, mesmo tendo sido o mandante de um crime bárbaro contra Eliza Samudio, com quem teve um filho e cuja paternidade ele não quis assumir. “Fãs” do ex-goleiro tiraram fotos com ele e times de futebol já fizeram propostas de trabalho a ele. Claro que um preso deve ter a oportunidade de se reintegrar à sociedade, mas esse caso mostra uma crise de valores éticos derivada, em parte, pela banalização desse tipo de crime contra a mulher, a quem é imputada a pecha de oportunista, e ao homem fica reservado o papel de quem, ao defender a sua “honra”, agiu de “cabeça quente”.
Isso sem falar na forma estereotipada como lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros são representados pelas mídias – isso quando são. A invisibilidade desses grupos nas mídias também é uma falta de compromisso ético. Dar voz aos grupos que fazem parte da sociedade é um valor que deve ser defendido por todos nós.
É complicado exigir dos meios de comunicação que relatem “a verdade”, pelo aspecto subjetivo que ela carrega, mas podemos exigir deles que não escolham uma verdade para ser apresentada. Fatos são interpretados pelos meios de comunicação, que fazem um recorte deles para narrá-los. Ao fazerem a seleção de dados e argumentar em prol deles, os meios de comunicação tomam uma posição. A sociedade precisa exigir que essa posição esteja em consonância com valores éticos e seja debatida entre diferentes atores sociais.
Precisamos ser conscientes de que os meios de comunicação são importantes para os governos democráticos e, por isso, são um bem público, isto é, eles devem servir aos interesses públicos. Sobretudo nos regimes democráticos, onde há liberdade de expressão e de imprensa, os meios de comunicação devem agir na promoção dos princípios da igualdade e na defesa dos direitos humanos.
Não apenas as mulheres, mas todos os membros de uma sociedade, devem exigir que os meios de comunicação atuem alinhados a esses valores.
Neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, a sociedade brasileira tem muito o que refletir sobre a forma como a mulher é tratada e representada. Se queremos uma sociedade mais justa, devemos lutar pela igualdade entre os seus membros.
NA PRÉ-HISTÓRIA, HOMENS E MULHERES TINHAM DIREITOS IGUAIS E OS HOMENS TAMBÉM CUIDAVAM DAS CRIANÇAS
CULTURA DO ESTUPRO: É URGENTE ACABAR COM ISSO
SOMENTE NO SUS, A CADA 4 MINUTOS, 1 MULHER VÍTIMA DA VIOLÊNCIA É ATENDIDA
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