The Crown: as mulheres da realeza sem o filtro do fetiche e do glamour


A 4ª temporada de The Crown vinha sendo muito aguardada pelos fãs da série. A saga controversa da família real britânica, protagonizada pela Rainha Elizabeth II, ganhou um toque polêmico com a chegada de duas personagens: Margareth Tatcher e Lady Diana.

Se durante toda a série a família real não era mostrada com olhos de deslumbramento, as críticas ficaram ainda mais mordazes na atual temporada. Também pudera: o colonialismo britânico foi um dos mais perversos da História moderna e nem os membros da realeza foram poupados dos seus ditames: adultérios, casamentos arranjados, relações pouco afetivas, hostilidades precisavam ser administrados para manter uma aparência de decoro inabalável, sobretudo, em torno da figura da monarca.

De fato, quem protagoniza a série The Crown são as mulheres. Primeiramente, claro, a jovem Lilibeth que se torna rainha ainda jovem e assume uma grande responsabilidade, ao mesmo tempo em que precisa construir uma identidade como líder que não fosse abalada por bajuladores e políticos profissionais – todos homens. Em uma das conversas ministeriais com Tatcher, Elizabeth, apesar das diferenças ideológicas com a sua primeira-ministra, reconhece a bravura desta para lidar com uma política ainda tomada por homens.

E por falar em Tatcher, é memorável a atuação de Gillian Anderson como a primeira-ministra da Inglaterra. A série promove uma sutil crítica a esta que foi uma das figuras mais nefastas da política ocidental das últimas décadas. O episódio sobre a Guerra das Malvinas, por exemplo, deixa escapar o verdadeiro massacre que a Inglaterra, com uma marinha extremamente potente, promoveu na Argentina. Aliás, um fato histórico que vem poupando não apenas Tatcher como a responsabilidade do próprio Reino Unido.

Um fato importante abordado pela série é a ruína do Estado de bem-estar social promovida pela era Tatcher – o que explica, hoje, os problemas atuais do Reino Unido. O discurso meritocrata e individualista da primeira-ministra pavimentou a eclosão de problemas sociais no fim da década de 1970 que perduram até hoje – um legado triste e desolador deixado pela primeira-ministra mão de ferro.

Sem dúvida, a personagem carismática da 4ª temporada é Diana Spencer. Diana foi uma das figuras mais icônicas do fim do século passado em todo o mundo: desde a forma como tornou-se membra da realeza, seu casamento pomposo, sua relação fracassada com o príncipe Charles até o seu triste fim são ingredientes para promover empatia em vida e em narrativas de ficção.

A 4ª temporada de The Crown tem provocado o reaparecimento dos ressentimentos sobre a Família Real e Camilla Parker-Bowles. Nas redes sociais, os fãs da eterna princesa deixam duras mensagens para aquela que teria sido a responsável por desfazer o casamento dos sonhos. Mas, de acordo com a série, foi o próprio Charles quem fez de tudo para o casamento não dar certo – e, claro, a sua família, que orquestrou um matrimônio arranjado. Além de manter um caso com Parker-Bowles, Charles cometeu graves violências psicológicas com Diana, levando-a a desenvolver um quadro de bulimia.

Vale destacar, também, o papel da princesa Margareth, irmã mais nova da rainha, personagem que tem a função de dar um toque humanizado a uma família áspera. Helena Bonham-Carter dramatiza com primor as agruras da vida da princesa que é tratada como joguete por seus próprios parentes.

Imagem melhorada

Apesar das críticas a uma família que, recentemente, concordou com o casamento do príncipe Harry com uma não aristocrata, engana-se quem acredita que The Crown esteja prejudicando a imagem da Realeza Britânica – a série tem lhe dado mais publicidade ainda!

A revelação da intimidade dos “royalties”, naturalmente, trata-se de uma ficção baseada em fatos reais. Como disse o ex-assessor de imprensa da rainha, Dickie Arbiter:

“Ninguém conhece as conversas particular que os membros da família real têm, mas, é claro, as pessoas contam sempre a história que desejam para torná-la mais sensacionalista”.

É verdade que a imprensa sensacionalista, muito antes da série da Netflix, já especulava sobre a vida da realeza britânica. Diana foi, aliás, uma vítima dela e dos paparazzi, que seguiram forjando a sua imagem pública mesmo após a sua trágica morte.

Se as pessoas não têm acesso à intimidade dos aristocratas, resta-lhes contar histórias tentando imaginar como seria a vida desse grupo de pessoas tão inacessível. É isso que a série The Crown faz: imaginar o cotidiano dos membros da realeza sem o filtro do fetiche e do glamour.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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Este artigo possui 1 comentário

  1. Mauricio. Chaves.
    Publicado em 20/12/2020 às 1:21 pm [+]

    Ok.


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