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O Sal da Terra, filme de Wim Wenders e Juliano Salgado, conta a história de vida do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. O documentário percorre, em fotos, filmagens e falas, todos os projetos do fotógrafo, desde o início de sua carreira, na França. E nesse percorrer, ouvimos a voz de Salgado, que reconta os caminhos percorridos, os motivos que o empurraram pelas estradas e campos que o levaram a se tornar um dos maiores fotógrafos sociais da atualidade.
Da África (1973) para a América Latina, Ásia, Antártida e o Ártico, Sibéria e de novo, África, e Europa, e mais uma infinidade de lugares, fotografando gentes, guerras, povo fugindo em busca de condições mínimas de vida, animais fugindo, poços de petróleo queimando no Iraque, os mortos pelas estradas no Ruanda, no Congo, os acampamentos de refugiados na Etiópia onde morreram milhares por falta de comida, e também os maravilhosos lugares ainda não “mexidos” pelo ser humano, por inóspitos, distantes, desinteressantes como mercadoria.
De tudo isso fala esse maravilhoso documentário cinematográfico lançado no último 26 de maio. O Sal da Terra já foi indicado para o Oscar de melhor documentário, recebeu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2014 (secção “Um Certain Regard”), o César Awards 2015 (Prêmio “Melhor documentário”) e abriu o Festival do Rio em 2014, de melhor documentário. Confira nos cinemas brasileiros.
Por toda a Terra andou Sebastião Salgado olhando, através da lente da sua máquina fotográfica, as realidades do nosso mundo. Realidades duras, cruéis, como as que documentou no projeto “Exodus”. Diz ele que viu coisas horríveis, miséria e morte em Ruanda. Exodus foi um trabalho que o marcou tanto que o fotógrafo, fotografando as misérias humanas, adoeceu profundamente.
Descobriu lugares onde a civilização ainda não conseguiu destruir a natureza. Também descobriu horrores feitos pela civilização, poços profundos onde homens de carne e osso deixam sangue e suor para tirar o suor e sangue da Terra. Minas de carvão, de diamantes. Poços de petróleo. Pesca no mar revolto, homens remando em cascas de noz, buscando o sustento dos seus e dos povos, dos mercados e do sistema econômico que nos governa e subjuga (se nos deixarmos subjugar).
Luz e sombra, esse é o jogo de Sebastião Salgado. E na luz e sombra mostra as dores e sentires de povos, os mais diferentes, culturas para nós desconhecidas, todos seres humanos, tão diferentes, tão inumanos. Nas fotos de Salgado, dos primeiros tempos, lúgubres cenários de solidão e luta, vida e morte. Preto no branco a realidade inumana do ser humano, escravo de si mesmo e dos que o dominam, outros seres humanos, inumanos. Exploração do homem pelo homem, é o que se vê. Luz e sombra. Peso. Morte.
Um pouco da história – guerra, tragédia humana, desolação e morte
“Numa fração de segundo se compreende a vida da pessoa fotografada”;
”ver o Brasil profundamente”; ”pela estrada vão e não voltam, abandonam a terra, não voltam mais”;
“campo de refugiados, imenso”; “cada pessoa que morre é um pedaço de todos que morreu”; “o Governo reteve os alimentos, não entregou no campo de refugiados (sobre a Etiópia, 1984)”;
“Deserto, seca, tempestade de areia. Só mulheres, velhos e crianças. Todos os homens migraram. Muitos não voltam (no Sudão, 1985)”;
”beduínos e animais ficaram na destruição (Kwait, 1991)”;
”150 km de cadáveres (em Ruanda, estrada para Kigali)”;
”só mulheres, velhos e crianças, os homens jovens foram todos assassinados…e aqui é Europa (Tuzla, Borzinia Central, ex-Yugolásvia, 1994-95)”;
“nossa história é isso: guerra, guerra, guerra”; “monstruosa espécie humana”;
“fiquei com a alma doente”.
As frases acima são ditas por Sebastião Salgado, acompanhando o documentário, explicando seu sentir, os porquês, as denúncias que fez e faz. São 40 anos de trabalho como fotógrafo social e agora, como fotógrafo da natureza. Há os que não entendem – como pôde ele deixar de fotografar as desgraças humanas para se dedicar a fotos de bucólicas paisagens?
Como conta Salgado, ao sair do Ruanda, sentiu-se profundamente doente, doente da alma: ”sai dali sem acreditar em mais nada”, acreditando “que a espécie humana estava programada para se exterminar”. Também foi nesse momento que ele aprendeu que “a gente se adapta a todos os processos” e sobrevive, ou morre.
E sobreviveu, ele, o fotógrafo, pela terra, depois de descobrir que a terra devastada pode ser recuperada. Esse foi o aprendizado de Sebastião Salgado. Da morte à ressurreição, replantando a Mata Atlântica na fazenda Bulcão, Minas Gerais. E voltou a fotografar. E formou o Instituto Terra (mas essa história virá em outro artigo).
Mais de 46% das terras do planeta ainda estão intocadas. E assim devem continuar. E a espécie humana tem a responsabilidade de recuperar o máximo de terras, águas, florestas e mares, se quiser sobreviver. Essa é a síntese do projeto Genesis (2004-13). Nesses 8 anos, Sebastião Salgado percorreu grandes desertos, a Antártida, o Ártico, grande parte das terras acima dos três mil metros, florestas frias, Canadá, Alasca, florestas tropicais, enfim, todos os lugares por onde encontrou terras e povos ainda na sua pureza original, do Gênesis. E encontrou. E fotografou para que todos possam ver. É este um dos grandes recados desse documentário, que ainda existe terra saudável, gente saudável, água e ar saudável, no nosso planeta, e que a sua manutenção assim, saudável, é responsabilidade nossa. E também, que a terra que estragamos podemos recuperá-la, basta arregaçar as mangas e o fazer. Para o nosso bem, como espécie!
O projeto Gênesis foi realizado como uma “carta de amor ao planeta”. Algo que Sebastião Salgado quer dar às pessoas, a possibilidade de se confrontarem com o planeta, pelo seu reconhecimento, pelo estabelecimento de uma comunhão entre a espécie humana e a natureza.
“Nós abandonamos nosso planeta e temos de voltar a ele. Temos que recuperar a identificação do ser humano com a natureza”, afirma Sebastião Salgado.
Viagem ao interior de si mesmo – espiritualidade descoberta
Viagem ao interior de si mesmo, no Alasca, no alto de montanhas, 1600 metros acima do nível do mar. E encontrou a comunhão com o planeta. O movimento das montanhas, para cima, e elevando o solo.
“Todas as espécies são racionais, cada espécie tem uma racionalidade enorme dentro da sua espécie e nós temos que respeitar”.
Fotografia é uma tomada ideológica de posição. E não é possível se registrar uma cultura sem fazer parte dessa cultura.
Sebastião Salgado se afirma ateu, mas acredita na espiritualidade inerente á ordem da evolução dos seres na Terra. E diz que é essa espiritualidade que existe no ser humano o que o torna capaz de viver e que possibilitou sua adaptação às mudanças e a sua sobrevivência até hoje.
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Fonte foto: youtube.com
Categorias: Arte e Cultura, Viver
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