“A Zona de Interesse”: Uma Crítica Analítica Entre a Limpeza e o Barulho


Vamos falar sobre A Zona de Interesse, filme dirigido por Jonathan Glazer, indicado em 5 categorias para o Oscar 2024, levou a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro e recebeu tantos outros prêmios, com destaque para Melhor Som (figura muito importante na trama). Falando sobre o Holocausto, especificamente de Auschwitz, o filme teve a grandiosidade de dizer mais do mesmo de uma maneira original, extremamente tocante e sem mostrar violência explícita.

O texto contém spoiler: pare de ler aqui se não tiver assistido o filme.

Zona de Interesse © Divulgação

Cena do filme A Zona de Interesse. Pessoas brincando no jardim ao lado do Campo de Concentração © Divulgação. O filme foi baseado no livro homônimo de Martin Amis, publicados em 2014.

Interesse de quem?

Primeiramente, o título é fantástico, pois já se sabe que iremos falar de uma zona de interesse: qual interesse? Interesse de quem?

O filme conta uma parte da história do comandante do Campo de Concentração de Auschwitz, Rudolf Höss e sua família, que levam uma vida dos sonhos em uma casa belíssima com piscina, horta e um grande jardim. Mas há um detalhe funesto: a casa está situada ao lado do campo de concentração, no interior do que era chamado Zona de Interesse.

A Zona de Interesse do Campo de Concentração de Auschwitz era uma área restrita ao redor do complexo de Auschwitz, na Polônia ocupada pelos nazistas. Foi estabelecida em 1941 para remover a população local, confiscar terras agrícolas e explorá-las economicamente usando o trabalho forçado dos prisioneiros de guerra. A área cobria cerca de 40 km² e incluía o campo principal de Auschwitz-Birkenau, instalações da SS e atividades agrícolas. O objetivo era reduzir o contato com a população local e criar aldeias-modelo para treinar agricultores alemães. A Zona de Interesse existiu até a liberação do campo pelos Aliados em 1945.

Tudo muito limpo

Na casa da família Höss viviam o comandante, sua esposa Hedwig, 5 filhos e empregados. Muitas cenas do filme trazem a noção de limpeza (das botas antes de entrar na casa, os banhos na banheira, a limpeza íntima, a limpeza do próprio campo de concentração, entre outras cenas). Pra quê tanta limpeza?

Tudo muito rumoroso

O filme é insuportavelmente rumoroso, criança chorando e cachorro latindo o tempo todo. Pra quê tanto barulho?

Mas como dissemos, a casa estava situada na zona de interesse, colada com o campo de concentração, e o barulho das pessoas morrendo era ouvido o tempo todo, bem como se via o tempo todo a fumaça saindo dos crematórios.

Não obstante as evidências do que se passava naquele lugar (as crianças não sabiam, mas sentiam), a vida seguia naturalmente e com certa alegria, “tempos de paz”, de cuidar do jardim, comer doces, conversar com as amigas. A dona da casa não parecia ser uma mulher alienada. Ao contrário, era feliz por ser chamada de “Rainha de Auschwitz”, e na verdade o era! Ela comandava o comandante e vivia a vida dos seus sonhos sem se importar com a realidade ao seu redor, afinal, estava tudo limpo e, apesar do barulho, ela dormia bem (sinal de consciência limpa).

Essa é a questão intrigante do título. No caso de Hedwig seu interesse era claro: viver em uma casa de campo com os filhos, servida por empregados, cuidando das plantas e o mundo que se lasque. Seu marido trabalhava para proporcionar uma vida dos sonhos à família, a qual ele era muito apegado, talvez no interesse de ser reconhecido como marido, pai e trabalhador exemplar. Mas, no final das contas, era uma pessoa extremamente solitária, vagando por uma casa de longos corredores, que muito  lembravam um manicômio.

Quem foi Rudolf Höss

O personagem principal do filme, na vida real, foi um homem ambivalente: um pai amoroso e carinhoso em casa e ao mesmo tempo um organizador impiedoso das mortes em Auschwitz. É descrito como alguém que conseguia separar completamente seus papéis, mostrando afeto genuíno por sua família, cachorros e natureza, enquanto exterminava vidas com precisão industrial.

Rudolf foi condenado à morte por enforcamento, tendo enfrentado sua execução com a mesma frieza que demonstrava no cumprimento das ordens que lhe eram dadas.

A Banalidade do Mal

Hannah Arendt, que cunhou o termo banalidade do mal, descreve esse tipo de comportamento humano como a recusa de enxergar e assumir os próprios atos, para cometer atrocidades com a naturalidade e o distanciamento emocional, necessários para não se sentir responsável.

A filósofa judia, falecida em 1975, chegou à essa conclusão depois de ter visto o julgamento de Adolf Eichmann, outro nazista que, assim como Rudolf, não via nenhum mal no que estava fazendo.

A banalidade do mal não tem, portanto, o significado de “o mal é algo comum”. O mal é a “mediocridade do não pensar”.

Bom, e é isso o que vemos o tempo todo e desde sempre. Inquisição, guerras, holocausto, terrorismo…

O interessante é que o INTERESSE é sempre o mesmo, sempre falso, sempre em nome de alguém ou de alguma ideologia. No caso, a eugenia, a limpeza étnica (respondido o porquê de tanta limpeza no filme?).

Enquanto fingimos que nada acontece, mantemos uma aparente limpeza e a cabeça cheia de barulho. Nada melhor para não pensar. Banalizemos!

E assim, termina o filme: Há um mal-estar de vomitar, atravessado por uma limpeza rigorosa, orquestrada pelo barulho do aspirador de pó.

Fontes:

  1. Wikipedia
  2. Nos Rastros da História

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Daia Florios

Cursou Ecologia na UNESP, formou-se em Direito pela UNIMEP. Estudante de Psicanálise. Fundadora e redatora-chefe de greenMe.


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