O lugar onde faz parte da vida esperar pela morte


Há séculos Varanasi é o destino de hindus em busca de ‘moksha’, a libertação final. Segundo as escrituras sagradas indianas, quem tem a chance de morrer e ser cremado às margens do rio Ganges consegue interromper o ciclo de renascimento e morte. A cidade do estado de Uttar Pradesh, localizado no norte da Índia, foi o tema da reportagem publicada nesta terça-feira pela BBC.

Também conhecida como Benares, sua fama vem desde a antiguidade: de acordo com a história contada no épico indiano Mahabharata, depois de terem vencido a batalha contra seus primos, os príncipes dos Pandavas viajaram para lá em busca da expiação de seus karmas. Em seu relato, a jornalista Romita Saluja contou sobre o cotidiano das diversas pessoas que se mudam para a cidade com o objetivo de aguardar a morte em solo sagrado.

As piras funerárias estão sempre acesas e os vários ‘ghats’, degraus de acesso ao Ganges, funcionam como pontos de referência — além de representarem uma lembrança constante de que ali é a morte que rege a vida. Há diversos locais para hospedagem, conhecidos como ‘lares de salvação’, exclusivamente dedicados a receber homens e mulheres que chegam para aguardar o próprio fim. A disputa por uma vaga pode ser acirrada:

“Recebemos milhares de candidaturas, mas, devido ao número limitado de quartos, que podem ficar ocupados durante anos, não podemos aceitar todo mundo”,

explicou VK Aggarwal à repórter Romita Saluja. Ele é gerente de operações da Mumukshu Bhawan, um dos vários estabelecimentos locais desse tipo, e acrescentou que a casa não admite pessoas com menos de 60 anos.

Os kashivasis, como são chamados os hóspedes, fazem doações que podem chegar a cerca de 100.000 rúpias indianas (o equivalente a 5.550 reais), dependendo das condições financeiras, e recebem um quarto onde podem permanecer até a morte.

“Eles são obrigados a fazer suas próprias refeições; nós não fornecemos esse serviço. No entanto, se alguém sente-se incapaz de arcar com os custos, a gerência geralmente ajuda, inclusive com a cremação “, disse Aggarwal.

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No entanto, as regras são completamente diferentes na Mukti Bhawan (‘Casa da Liberação’):

“As pessoas vêm aqui para penitência. Não é um hotel. Qual é a necessidade de luxos como um ar-condicionado?”,

indaga Narhari Shukla, zelador do estabelecimento, que permite uma permanência máxima de apenas 15 dias. Se a pessoa não vem a falecer durante o período, é convidada a deixar o local.

Algumas concessões podem ser feitas, dependendo estado de saúde do hóspede, e a estadia se prolongar. Outra diferença ali é o preço: a diária custa 20 rupias (cerca de 1 real) e é usada para cobrir os custos de eletricidade.

Há também a expectativa de que o tempo gasto na Mukti Bhawan seja dedicado às preces e adorações. Não é permitido jogar cartas, fazer sexo nem comer carne, ovo, cebola e alho, alimentos considerados impuros por certas correntes hindus.

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Como relata a jornalista, quem visita Varanasi, destino também de turistas do mundo inteiro, testemunha o desfile diário de barcos transportando peregrinos, sacerdotes e familiares dos mortos, que podem ser vistos murmurando orações e entoando mantras para a liberação da alma dos que partem. Tudo em meio à nuvem de fumaça que desprende das piras crematórias.

O que pode parecer estranho aos olhos de quem vem de fora é visto com tranquilidade para os que buscam Varanasi com objetivos espirituais.

“Não tememos a morte. Nós a celebramos”, contou um dos entrevistados à jornalista. “As pessoas vêm aqui com esperança, não com medo”, acrescentou. Saluja termina seu relato citando um dito popular local: “Para alcançar o céu, você precisa morrer primeiro”.

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Fonte fotos BBC




Gisele Maia

Jornalista e mestre em Ciência da Religião. Tem 18 anos de experiência em produção de conteúdo multimídia. Coordenou diversos projetos de Educação, Meio Ambiente e Divulgação Científica.


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