Sabe aquele quadro clássico de programas de auditório em que se faz uma proposta a um participante e este, sem ouvir a pergunta, precisa responder ‘sim’ ou ‘não’? “Você troca um carro zero por uma banana?” “Siiiiim!!!”. Pois, segundo denúncia feita pelo The Intercept Brasil nesta segunda-feira (28), o presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, encaminhou formalmente um pedido à Funai do tipo “você troca os direitos dos povos tradicionais por privilégios para o setor hoteleiro?”.
Seria cômico se não fosse mais um capítulo da tragédia desses povos sob o governo de um presidente que, mesmo antes de se eleger, anunciava aos quatro ventos que não demarcaria um centímetro a mais de terra para indígenas e quilombolas.
O alvo da solicitação é uma área de 470 quilômetros quadrados, localizada no sul da Bahia e já reconhecida por especialistas e órgãos competentes, em estudos prévios, como pertencente aos Tupinambá de Olivença. Ninguém merece mais o título de “donos da terra” do que eles, uma vez que se trata do primeiro povo indígena a ter contato com os portugueses que vieram ao Brasil. Os relatos escritos desse encontro datam de meados do século 16.
O processo de demarcação já se arrasta há 15 anos, com uma primeira fase concluída em 2009. A proposta de Machado Neto é interromper esse processo para que um resort all inclusive, com 467 apartamentos e voltado prioritariamente para turistas estrangeiros, possa instalar-se na região.
Segundo Amanda Audi, autora da reportagem, a solicitação sem precedentes deixou os funcionários da Funai e pesquisadores indigenistas perplexos. Seria a primeira vez, desde a Constituição de 1988, que um órgão federal faz um lobby formal junto a outro, com direito a papel timbrado e tudo, solicitando a entrega de uma terra indígena para beneficiar a iniciativa privada – no caso, a rede hoteleira portuguesa Vila Galé, que, pelo visto, confia tanto em seu lobbista de estimação que já promete abrir as portas de seu novo empreendimento em 2021.
A trama denunciada pelo The Intercept envolve figuras de confiança do presidente com credenciais para lá de suspeitas. A encabeçar a fila, o próprio Machado Neto:
“Médico veterinário, amigo pessoal de Jair Bolsonaro, o presidente da Embratur é mais conhecido por ser sanfoneiro, dono de pousada e ter sido multado por desrespeitar a legislação ambiental. É um histórico que o credenciou, aos olhos do presidente de extrema-direita, a comandar o Instituto Brasileiro de Turismo, a Embratur, uma autarquia ligada ao Ministério do Turismo cuja atribuição é promover o país no mercado internacional”, reporta Amanda Audi.
Outros políticos da região vêm fazendo campanha a favor do grupo português nas redes sociais, com o argumento principal de que geraria emprego e renda para a população local, negando a pecha de anti-indígena.
No entanto, a liderança Tupinambá acusa o lobby pelo empreendimento de acirrar conflitos para dividir a comunidade e defende a demarcação da terra não só por ser fonte de subsistência para os quatro mil indígenas, pescadores e marisqueiros artesanais que vivem ali, mas também considerando a preservação dos ecossistemas.
Leia AQUI na íntegra a reportagem de Amanda Audi para o The Intercept Brasil.
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Categorias: Informar-se, Povos da Floresta
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