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Anteontem foi dia duro, muito duro, para os 3 mil guerreiros indígenas brasileiros que foram ao DF – Brasília defender, pacificamente, seus direitos inalienáveis. Estavam lá no 14º Acampamento Terra Livre e, em manifestação pacífica.
Foram bombardeados pela polícia, com gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral, para que dispersassem – pelas redes sociais se viram as fotos, as filmagens, de uma das maiores repressões declaradas – um dia duro, de luta.
“Vamos fazer a guerra com a nossa sabedoria”! Estas são as palavras de uma das lideranças indígenas presentes.
A crueldade dos mais de cinco séculos de genocídio, extermínio, invasão de suas terras ancestrais, contra isso antepõem a sabedoria destes povos. Sabedoria de quem está integrado à natureza, de quem preserva a vida, a biodiversidade.
A resistência indígena é uma guerra permanente, a mesma que possibilitou a sobrevivência, até hoje, dos 305 povos indígenas nos escombros de Pindorama (na reportagem do CIMI – Centro Indigenista Missionário.
Os 3 mil indígenas que estavam nos jardins do Planalto se manifestavam diante do Congresso Nacional – no lado de dentro da casa pública os direitos trabalhistas brasileiros eram destruídos.
Indígenas brasileiros dizem já não suportarem “tamanhas agressões, crueldades e violências” e exigem respeito, o fim das atitudes colonialistas, o fim da repressão contra os povos primeiros dessa terra.
Mas, a resistência indígena está no DNA dos povos autóctones. A coragem de ser mulher e indígena, na luta pela defesa de suas terras e cultura emociona a todos que podem olhar, de frente, esta belíssima foto.
E a coragem de antepor, à brutalidade do sistema, a filosofia do viver em natureza – um arco e flecha é simbólico frente ao armamento pesado que o militar porta.
Uma das exigências mais significativas, pela premência que tem nos tempos atuais, é a demarcação das terras ancestrais, territórios que garantem a sobrevivência das etnias e que já foram, há muito, caracterizados. É a luta contra os grileiros que os tomam na ponta da bala, e matam as populações residentes. É a luta contra os grandes proprietários de terras, poder absoluto em um sistema que preza o lucro versus a natureza, que usa os grileiros, ou a grilagem de terras, como forma de ocupar mais e mais áreas.
“Conforme levantamentos realizados pelo Cimi, ainda existem mais de 352 terras indígenas sem nenhuma providência, 175 a identificar e 398 registradas, de um total de 1.116 terras indígenas. Estamos, portanto, diante de um gravíssimo quadro, pairando sobre esse direito sagrado e primordial ameaçadoras nuvens de incertezas e retrocessos”.
E as terras que já foram demarcadas também precisam ser defendidas – da grilagem, da justiça injusta que determina devoluções, dos projetos que não preservam o direito ambiental do existir da natureza e nossos recursos naturais.
E, depois da chuva de bombas, da correria e dos sustos, um ritual de força, recuperação das energias e união de todos os povos.
A resistência indígena continua, assim como a luta por melhores condições de vida digna.
Interpretação de diversos artistas – Arnaldo Antunes, Céu, Chico César, Criolo, Djuena Tikuna, Dona Onete, Elza Soares, Felipe Cordeiro, Gilberto Gil, Lenine, Letícia Sabatella, Lirinha, Margareth Menezes, Maria Bethânia, Marlui Miranda, Nando Reis, Ney Matogrosso, Russo Passapusso (Baiana System), Tetê Espíndola, Zeca Baleiro, Zeca Pagodinho, Zé Celso Martinez Corrêa e Zélia Duncan. A letra de Carlos Rennó vem acompanhada pela música de Chico César, confira abaixo a íntegra da letra.
Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,
Tal como o povo kadiwéu e o panará
– Demarcação já!
Demarcação já!
Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil
Que o branco invadiu já na chegada:
A do tupinambá –
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que, tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,
Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a T.I. é polifauna e pluriflora,
Ah!,
Demarcação já!
Demarcação já!
E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;
Hum… Bah!
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que por retrospecto só o autóc
Tone mantém compacta e muito intacta,
E não impacta, e não infecta, e se
Conecta e tem um pacto com a mata
–Sem a qual a água acabará –,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que não deixem nem terras indígenas
Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelos efeitos da mineração
E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ‘tudo que não presta'”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,
E já que o que ele quer é o que é dele já,
Demarcação, “tá”?
Demarcação já!
Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,
Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,
Demarcação lá!
Demarcação já!
Já que é assim que certos brancos agem:
Chamando-os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação
De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá;
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois índio pode ter iPad, freezer, TV, caminhonete, “voadeira”,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia
Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo ou exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,
Já velho ou jovem ou – pior – piá.
Demarcação já!
Demarcação já!
Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto
Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,
Xará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra não perdermos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara
E a flor de maracujá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade
De seres vivos que na Terra ainda há,
Demarcação já!
Demarcação já!
Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,
Que nessa barca junto todo mundo “tá”,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que depois que o enxame de Ibirapueras
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,
E sobre a humanidade o céu cairá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que, por isso, o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu
Ao deus-dará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,
Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,
Milícias nem polícias os afrontem.
Vrá!
Demarcação ontem!
Demarcação já!
E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá.
AS VOZES SILENCIADAS DAS NAÇÕES INDÍGENAS
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Fonte foto capa: Facebook
Categorias: Informar-se, Povos da Floresta
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