A licença poética já fez uma flor nascer do asfalto. Mas a natureza faz planta nascer do ferro.
O mesmo poeta que fez a flor nascer do asfalto, Carlos Drummond de Andrade, poderia tê-la, também, feito brotar do ferro das suas reminiscências em Itabira. Mas a natureza se antecipou ao fenômeno.
De acordo com um estudo, 38 espécies vegetais existentes somente nas cangas da Amazônia, um tipo de campo rupestre na serra de Carajás (Pará), nascem de campos ferruginosos.
As espécies nascem em um campo de afloramento rochoso de minério de ferro que guarda uma enorme riqueza particular da Amazônia.
Um grupo de pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale (ITV) de Belém publicou, recentemente, um artigo na revista PLOS ONE sobre uma pesquisa comparativa entre plantas que crescem em 14 cangas da serra de Carajás e em 14 áreas da cadeia do Espinhaço, em Minas Gerais, e da chapada Diamantina, na Bahia, onde existem, também, campos ferruginosos ou uma vegetação muito similar, que se desenvolve sobre afloramentos rochosos de quartzito, como informou a revista da Pesquisa Fapesp.
De acordo com a botânica Daniela Zappi, uma das integrantes da pesquisa:
“Em linhas gerais, cada região se mostrou diferente das outras, mas as cangas da Amazônia se sobressaíram”.
A pesquisa concluiu que as cangas mineiras e paraenses têm pouco em comum. Nos campos de Carajás foram registradas 830 espécies das quais cerca de 180 foram encontradas nas cangas da região do Espinhaço e da chapada Diamantina.
O endemismo das espécies de Carajás em relação a outros campos com a presença de ferro é que as cangas de lá estão rodeadas por uma densa floresta que abriga árvores com até 40 metros e está em uma altitude entre 600 e 700 metros.
Os afloramentos de ferro ficam numa região pouco acessível. Segundo Zappi, para chegar à região é precisar perguntar aos moradores onde fica o “peladão”.
Grande parte das plantas amazônicas encontradas na área de mineração de Carajás é constituída de arbustos ou ervas, como Perama carajensis e Brasilianthus carajensis. A espécie endêmica flor-de-carajás (Ipomea cavalcantei) é um arbusto com flores de vermelho intenso, que é o símbolo da campanha pela preservação da flora local. Outra planta exclusiva é o ipê-da-canga (Anemopaegma sp.).
Em 2017, foi criado na região de Carajás o Parque Nacional dos Campos Ferruginosos, uma unidade de conservação com o objetivo de preservar essa biodiversidade em uma área de 79 mil hectares.
O botânico José Rubens Pirani, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), avalia que o estudo de sua colega é importante para o planejamento da conservação das cangas, mas pondera que:
“É preciso considerar o grau de parentesco das plantas presentes em cada região. Pode ocorrer que uma área com menos espécies abarque um número maior de grupos de vegetais, enquanto em outra, com muitas espécies, todas podem ser do mesmo grupo”.
Ainda é pouco conhecida a forma como essas espécies vegetais se adaptaram para viver nas frestas de pedras ou de forma rasteira sobre as rochas, que, durante o dia, podem chegar à temperatura de 50 °C mas, à noite, resfriam sob neblina devido à altitude.
Fonte foto: Semente alada do ipê-da-canga (Anemopaegma sp.) sobre rochas ferrosas, by João Marcos Rosa, Revista Fapesp
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Categorias: Biodiversidade, Informar-se
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