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Não se trata de um vício ou um desejo incontrolável. Não se trata de uma questão que foge ao nosso controle. Trata-se meramente de egoísmo, sentimento de posse, poder, vaidade e muito “estômago” para compactuar com uma rede de crueldade explícita.
É isso que justifica uma pessoa a comprar um animal silvestre ou exótico de forma ilegal.
Segundo o antropólogo Caetano Sordi,
“Diz muito sobre a vaidade humana. Principalmente no caso de colecionadores ilegais, tudo não passa de vaidade. O animal se transforma em troféu. É como se fosse uma disputa de carro: quem tem o carro mais bonito? Quem tem o mais possante e mais veloz? Essas pessoas são levadas a esse tipo de necessidade de mostrar poder e acabam se utilizando desses animais para suprir alguma carência, alguma deficiência emocional que tem”.
Já do outro lado, o que abastece o tráfico além do interesse irresponsável dos compradores, é o dinheiro, manchado de sangue, dor, crueldade, maus-tratos, prisão, confinamento e abusos de todo os tipos.
O tráfico de animais é a 3ª maior atividade ilegal do mundo, só perde para o de armas e drogas.
No Brasil, a atividade é responsável por tirar da natureza 38 milhões de espécies silvestres por ano e movimentar 900 milhões de dólares, de acordo com o Renctas – Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre.
O relatório também mostra que o Brasil é um dos principais alvos dos traficantes da fauna silvestre devido a sua imensa biodiversidade, cerca de 10% de 1.400.000 de seres vivos catalogados no planeta.
Na classificação mundial, em diversidade de espécies, o Brasil é o primeiro em primatas, borboletas e anfíbios.
Segundo reportagem de Duda Menegassi, do jornal oEco, um relatório intitulado Tráfico de Animais Selvagens no Brasil – Wildlife Trafficking in Brazil – feito pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), em conjunto com as ONGs internacionais Traffic e União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) – utilizando dados fornecidos pelos órgãos governamentais de proteção ao meio ambiente (IBAMA, ICMBIO, Polícia Ambiental, Federal), coletados entre os anos de 2012 e 2019 e divulgado no final de julho deste ano, aponta que a região amazônica é o epicentro do tráfico no Brasil.
O relatório constatou que ovos de tartaruga são os principais itens do comércio ilegal. E o pirarucu (Arapaima Arapaima gigas), o segundo maior peixe de água doce do mundo, nativo da Bacia Amazônica também é muito contrabandeado tanto pela carne quanto pelo mercado de couro e escamas, abastecendo principalmente países asiáticos e os Estados Unidos.
Os pássaros também são os animais preferidos para o tráfico. Segundo o relatório, o canário-da-terra (Saffron Finch) é a espécie mais traficada motivada rinhas feita com as aves, que inclui até mesmo hibridização para criar canários mais agressivos e fortes para as lutas.
O canário da terra responde por 31% do total de aves apreendidas entre 2018 e 2019, segundo dados do Ibama, com 3.115 indivíduos apreendidos.
Segundo as autoras do relatório, Sandra Charity e Juliana Ferreira:
“Tem um mercado enorme de colecionadores de aves, principalmente para Europa, e de répteis e anfíbios, principalmente para Alemanha; de aves de rapina pro Oriente Médio. Tem também toda medicina tradicional asiática [que consome] pepino-do-mar, cavalo-marinho, barbatana de tubarão, onça. E tem crescido o número tanto de jabutis quanto de cágados de água doce saindo para o mercado de pet e para medicina tradicional asiática”.
Mas o que você tem a ver com isso?
Para além do mercado internacional, de acordo com o Renctas, cerca de 70% do tráfico de animais é para o consumo interno, e os 30% restantes, é exportado.
Sejamos mais claros. 38 milhões de espécimes traficados por ano e a maioria é vendida dentro do próprio Brasil, para os próprios brasileiros!
O perfil dos compradores é:
Um zoológico ou um colecionador pode pagar R$ 60.000 mil por uma arara-azul e R$ 20.000 mil por um mico-leão-dourado.
Já o interesse científico é por cobras, principalmente cascavel e jararaca, que podem chegar a R$ 20.000 mil.
Como animal de estimação, os mais procurados são tartaruga, jiboia, tucano, arara e principalmente passarinhos, como curió e tiê-sangue.
Os “Pet Shops” costumam atender a demanda do mercado e estão sempre dispostos encontrar o animal desejado pelo cliente que, hoje, são os maiores responsáveis pelo incentivo ao tráfico de animais. Eles são a porta “legal” do comércio ilegal.
O mercado de subprodutos também fomenta o tráfico. Garras, presas, couro, peles, penas, servidos para abastecer o mercado da moda e do designer. É o caso das borboletas, por exemplo, utilizadas para artigos de decoração como quadros, tampas de vaso sanitário e brincos.
Portanto, temos tudo a ver com isso. São nossos vizinhos, familiares, amigos, chefes, colegas, clientes, prestadores de serviço, enfim, é seu compatriota, a pessoa do lado, pode ser você, que está fomentando esse tipo de prática. E isso tem que acabar.
É comum em alguns estados do Brasil o comércio ilegal de animais em feiras livres, a céu aberto, aos olhos de todos, não podemos mais compactuar com esse tipo de coisa.
A informação é a melhor arma para conscientizar e incentivar denúncias e fiscalização.
Agora, no caso daqueles que fomentam o comércio ilegal, esses são responsáveis diretos pelo sofrimento, morte e muitas vezes, extinção das espécies. Além de garantir a perpetuação do crime.
Enumeramos algumas das consequências e práticas que abastecem o tráfico ilegal de animais:
A retirada de animais silvestres pode causar a extinção de inúmeras espécies e consequentemente um desequilíbrio ecológico.
Animais mais exóticos, raros e até ferozes, estão entre os mais caros e procurados, por incrível que pareça.
Um animal em extinção pode chegar a cifras altas, dado o prazer do ser humano em sentir-se superior e poderoso. Dono de uma vida “especial”’.
Seguindo essa lógica, a crueldade, vaidade e egoísmo ficam explícitos, e o que determina o valor de um animal é justamente a sua raridade e o grau de ameaça de extinção.
Ou seja, uma espécie rara, vulnerável, em perigo de deixar de existir tem alto valor de mercado e por isso, maior procura.
Fomentar a vulnerabilidade e os riscos de sobrevivência de uma espécie, fortalece o mercado ilegal, faz aumentar a procura e o interesse pela espécie e o retorno financeiro que o animal pode render.
De acordo com o Renctas, de cada 10 animais traficados, 9 morrem antes de chegar ao seu destino final.
Se são cerca de 38 milhões de espécimes por ano arrancados de seus habitats e apenas 1% chega ao destino final, quantos milhões não morrem percorrendo esse longo caminho de dor e maus-tratos.
As mortes ocorrem por diversos motivos: fome, sede, remédios, anestesias, mal acondicionamento, ferimentos, privação, frio, calor e por aí vai.
Uma das formas mais perversas de matar os animais é através do acondicionamento.
Malas, sacolas, envelopes, latas, vidros, garrafas de refrigerante e até caixas de leite, tudo pode servir de esconderijo para burlar a fiscalização.
Os fiscais relatam que quando resgatam animais traficados, geralmente estão em péssimas condições de saúde e higine.
Alguns já se encontram mortos ou precisam ser sacrificados, dopados, maltratados, com fome, sede, frio, despenados, sem pelos, cegos, desnutridos e muito, muito estressados.
Alguns morrem de estresse. Na maioria, filhotes, bebês, mal enxergam.
Outros animais, sofrem outro tipo de violência: têm seus olhos furados, para não enxergarem a luz do sol e não cantarem – caso das aves, evitando chamar a atenção da fiscalização.
Na maioria das vezes, são anestesiados para que suportem o tempo da viagem.
A legislação brasileira, nos termos da Lei nº 5.197/67, declara é proibida a utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha de animais de quaisquer espécies, em qualquer fase de desenvolvimento e que vivam naturalmente fora de cativeiro, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros.
A Lei de Crimes Ambientais, pune com pena de detenção de seis meses a um ano e multa quem matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.
A mesma pena incorre à quem compra animais silvestres.
Segundo dados do Ibama, o número de apreensões de animais silvestres sofreu uma queda em 2019 se comparado a anos anteriores.
Segundo Dener Giovanini, coordenador geral da Renctas, os números de resgates da fauna silvestre no Brasil não chega nem a meio por cento do que de fato é comercializado ilegalmente.
Com a diminuição das apreensões, e sendo elas mínimas, além da contribuição da própria população, realmente fica muito difícil combater e eliminar essa prática tão cruel e absolutamente desnecessária.
Precisamos evoluir como sociedade e parar de comprar animais como se fossem mercadorias.
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Categorias: Animais
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