Bulldogging: a crueldade com bebês bezerros que precisa acabar


Um bezerro teve lesão na coluna e precisou ser sacrificado durante uma prática conhecida como “bulldogging”, na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, maior e mais famoso rodeio do Brasil.

O fato ocorreu em 2001 e, na ocasião, o Ministério Público de São Paulo ajuizou uma Ação Civil Pública contra a Associação criadora da Festa, alegando que essa modalidade era cruel e por isso, precisava ser proibida.

Segundo o MP/SP, a prova de “Bulldogging” ou “Steer wrestling”, é uma modalidade praticada como prova em rodeios, na qual o competidor “parte a cavalo em galope, e se atira sobre a cabeça de um garrote em movimento, agarra o animal pelos chifres e o derruba ao chão torcendo seu pescoço”.

No caso, o garrote é um filhote, um bezerro de 1 a 2 anos de idade.

Em Primeira Instância, o juiz da 2ª Vara Cível de São Paulo, aceitou o pedido do MP e considerando a modalidade cruel, decidiu proibir a prática do Bulldogging, porém, em Segunda Instância, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio da 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, reformou a decisão e considerou que a morte do bezerro foi um evento isolado, praticado por erro do “peão” e não há provas “da ocorrência usual na referida prova de rodeio”.

Para a 2ª Câmara do Meio Ambiente do TJ/SP, o uso de animais em torneios desportivos que exigem força, velocidade ou destreza, importam, na essência, em práticas cruéis e dolorosas.

O MP, assistido da ONG Veddas – Vegetarianismo Ético, Defesa dos Direitos Animais e Sociedade, recorreu e a questão foi parar no Superior Tribunal de Justiça e o julgamento que ganha agora repercussão nacional, vai decidir se a prática de bulldogging será proibida ou não.

Tema recorrente na Justiça e no Congresso

Não é de hoje que a legalidade de torneios desportivos e demais práticas que usam animais vêm sendo questionadas perante a Justiça brasileira.

De um lado, os defensores usam como argumentos principais, a manutenção da cultura, da tradição, do esporte, da economia e inexistência de crueldade aos animais.

Do outro, os defensores dos direitos dos animais, afirmam que qualquer prática produz sofrimento e crueldade pois não respeita o direito à vida, dignidade e saúde dos bichos e que devem ser eliminadas todas as atividades que usam animais seja como alimento, diversão, entretenimento, esporte, remédio ou qualquer que seja.

No meio dessa polêmica, os Poderes Judiciário e Legislativo, em muitos casos, estão em lados opostos.

Foi o que aconteceu em dois recentes casos, vaquejada e rodeio, e o caminho parece não ter volta e já aponta seus vencedores.

Vaquejada

Em 2013, o estado do Ceará aprovou a Lei nº 15.299, que regulamentava a vaquejada como prática esportiva e cultural no estado.

A vaquejada é feita por dois “vaqueiros” montados a cavalo que devem derrubar um boi, puxando-o pelo rabo, entre duas faixas de cal do dentre uma área demarcada, chamada de parque de vaquejada.

Tão logo a lei foi promulgada, o Ministério Público Federal, através da PRG, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, perante o STF para declarar inconstitucional a lei, sustentando que

“o dever de proteção ao meio ambiente (artigo 225 da Constituição Federal) sobrepõe-se aos valores culturais da atividade desportiva, diante da crueldade intrínseca aplicada aos animais na vaquejada”.

Na época, Rodrigo Janot, então Procurador da República, sustentou oralmente o caso em plenário alegando que

“é chegado o momento de darmos mais um passo para que possamos evoluir no processo civilizatório brasileiro, em que pese esse patrimônio cultural antigo que é a vaquejada, como eram também as brigas de galo nas rinhas, como eram as corridas de boi”.

Assim, em outubro de 2016, o STF decidiu que a lei era inconstitucional e que a vaquejada provoca crueldade animal.

Mas a decisão do STF não impediu que a prática continuasse a ocorrer, inclusive em provas que acontecem nos Rodeios por todo o país.

E pior, em 2017, novamente, o governo do estado do Ceará promulgou a Lei 16.321 regulamentando a vaquejada como prática desportiva e cultural, assegurando o bem-estar dos animais.

Porém, isso só foi possível porque ainda em 2016, ou seja, mesmo ano que o STF considerou inconstitucional a lei cearense, o Presidente Michel Temer aprovou a Lei nº 13.364, de âmbito nacional, elevando o rodeio, a vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial.

Rodeio

Com a edição da Lei 13.364 de 2016, o rodeio foi elevado a condição de patrimônio cultural e, nos termos do artigo 3º, são consideradas expressões artísticas e esportivas do rodeio, da vaquejada e do laço as seguintes atividades:

I – montarias;

II – provas de laço;

III – apartação;

IV – bulldog;

V – provas de rédeas;

VI – provas dos Três Tambores, Team Penning e Work Penning;

VII – paleteadas; e

VIII – outras provas típicas, tais como Queima do Alho e concurso do berrante, bem como apresentações folclóricas e de músicas de raiz.

Caminho sem volta

Seguindo essa linha de entendimento, em 2017, em clara manifestação de vitória da turma dos peões, o Congresso promulgou uma emenda constitucional que considera como não cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais. Quando tramitou no Congresso, a emenda ficou conhecida como PEC da Vaquejada.

Em 2019, o presidente Bolsonaro aprovou a Lei nº 13.873, que altera a Lei nº 13.364/2016, para incluir o laço, bem como as respectivas expressões artísticas e esportivas, como manifestação cultural nacional, elevar essas atividades à condição de bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro e dispor sobre as modalidades esportivas equestres tradicionais e sobre a proteção ao bem-estar animal.

Com a edição dessa lei, passou a ser consideradas modalidades esportivas equestres tradicionais as seguintes atividades:

I – adestramento, atrelagem, concurso completo de equitação, enduro, hipismo rural, salto e volteio;

II – apartação, time de curral, trabalho de gado, trabalho de mangueira;

III – provas de laço;

IV – provas de velocidade: cinco tambores, maneabilidade e velocidade, seis balizas e três tambores;

V – argolinha, cavalgada, cavalhada e concurso de marcha;

VI – julgamento de morfologia;

VII – corrida;

VIII – campereada, doma de ouro e freio de ouro;

IX – paleteada e vaquejada;

X – provas de rodeio;

XI – rédeas;

XII – polo equestre;

XIII – paraequestre.”

No embate entre os Poderes Judiciário e Legislativo, entre a defesa dos animais e o direito de usá-los em torneios, competições e atividades de esforço, corrida e outros, venceu o jugo da prática esportiva e manifestação cultural acima da dignidade, saúde e vida dos animais.

E diante dessa lei federal e da emenda constitucional, é bem possível que esse seja o mesmo caminho do julgamento da ação sobre o bezerro sacrificado na festa de peão de Barretos.

Já que o Brasil mata 89 mil bois por dia nos seus frigoríficos para as pessoas comerem, não parece ser tão absurdo permitir o uso de animais em rodeios.

E assim seguimos com uma grande parcela da população aplaudindo e fomentando essa prática que para muito além da cultura e do esporte, também envolve o comércio.

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Juliane Isler

Juliane Isler, advogada, especialista em Gestão Ambiental, palestrante e atuante na Defesa dos Direitos da Mulher.


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Este artigo possui 2 comentários

  1. Hejsbshhsh
    Publicado em 24/02/2021 às 12:34 am [+]

    Pq não deixa pessoas que vivem essa cultura da lida do laço do cavalo do gado do laço decidirem sobre isso, pq pessoas que nunca mexeram com criaçao,nunca lidaram com os perigos que há na lida pecuaria ainda que moderna não é digno de falar o que é brutalidade ou agressao ,sendo que animais agem sempre de forma que se possivel te matar melhor…
    Certas vezes a gente laça um bezerro no pasto pra curar no meio do pasto no sol quente nao da pra levar no maiador a gente rasta ela pra uma arvore desce no chao com um piranhim(“xicote”) eo remedio pra curar o bezerro ai a vaca vem querendo meter o chifre na gente que se a gente bobear mata a gente é pisoteado e ainda mata a gente, entao o que vc faz vc mete o xicote na cara da vaca quando ela vir até ela pegar medo ai vc cura e solta o bezerro (sozinho nao faz um cura o outro cuida a vaca )


  2. Roberto
    Publicado em 16/06/2021 às 6:47 pm [+]

    Nem sempre o caminho mais curto é o correto. Seguindo seu raciocínio só os alcoólatras podem falar sobre alcoolismo, só loucos são dignos de opinar sobre esquizofrenia e só as vacas podem explicar como se sentem sendo chicoteadas na cara. Ficamos então aguardando os esclarecimentos da vaca sobre a ligação entre um evento “esportivo” e uma situação emergencial em meio à caatinga em que uma pessoa precisa arriscar sua vida para garantir a saúde de seu hamburger.


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