Crime ambiental em Barcarena: a Chernobyl da Amazônia


Ao sul da cidade de Barcarena (PA), está localizada a planta industrial da Alunorte, a maior produtora de alumina (óxido de alumínio) do mundo.

Desde 1990 (quando a companhia se instalou no município paraense), os habitantes imaginavam que o futuro tinha chegado. Mas, aconteceu o contrário: sofrimentos, mortes, intoxicações em níveis mortais e abandono das autoridades.

Os crimes ambientais da mineradora são surreais, mas poucos têm noção da dimensão dessa tragédia que parece invisível para o resto do país.

A população contaminada pelas indústrias de mineração no nordeste do Pará pede justiça. Para as vítimas, Barcarena é uma Chernobyl na Amazônia.

Vítimas do crime ambiental

“Aqui muita gente já morreu igual o Dico, de câncer e de outras doenças que a gente nem sabe o que é”.

São as palavras de Maria do Socorro Costa, um dos maiores símbolos da luta contra os crimes da mineração na Amazônia.

Socorro do Burajuba, como ela gosta de ser chamada, vive hoje o pesado luto pela perda do companheiro, Raimundo Amorim Barros, que faleceu em setembro de 2021.

Gervásio Ferreira Vida, 65 anos, que vive há 19 anos em Barcarena, foi um dos trabalhadores atraídos pelo movimento das fábricas e pela promessa de emprego com a chegada da atividade mineradora.

Químicos tóxicos como urânio e o tório (elementos químicos radioativos) compõem as estruturas da bauxita processada pela Hydro Alunorte e, portanto, também se encontram (em níveis desconhecidos) em suas bacias de rejeitos.

Ele compara a cidade ucraniana arrasada por um acidente nuclear em abril de 1986 com a realidade de Barcarena:

“A verdade é que isso aqui [as bacias de rejeitos] estão matando Barcarena. Barcarena daqui há alguns anos vai ser um lugar fantasma, vai se tornar inabitável. E não precisa ser nenhum estudioso para saber que isso vai acontecer… aqui vai virar uma Chernobyl“.

Contaminantes tóxicos

Em 2018, o IEC (Instituto Evandro Chagas) produziu um relatório, escrito pelo geoquímico Marcelo de Oliveira Lima, que analisou a bauxita beneficiada pela Hydro Alunorte, antes de passar pelo banho de soda cáustica na refinaria.

Os resultados foram inúmeros contaminantes altamente prejudiciais à saúde humana e ambiental em sua composição, tais como:

  • chumbo;
  • arsênio;
  • cádmio;
  • cromo;
  • níquel;
  • manganês;
  • urânio;
  • tório.

Em estado natural, esses contaminantes encontram-se em baixas dosagens no minério de bauxita, mas o relatório aponta para a concentração de milhares de toneladas de rejeitos “altamente corrosivos“, que são depositados a céu aberto nas bacias da Hydro.

Cúmplice

O grupo Hydro não está sozinho em Barcarena. A Imerys Capim Caulim (o processamento industrial do caulim é tóxico) é outra mineradora que amedronta a vida dos moradores da cidade.

Ela se instalou no município em julho de 2010, quando comprou a maioria das ações da empresa Pará Pigmentos, pertencente à Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).

No dia 6 de dezembro, um dos galpões da maior fabricante de caulim do mundo pegou fogo. Uma fumaça tóxica carregada de enxofre varreu o município.

Nos dez dias que se sucederam, cerca de 160 pessoas haviam sido atendidas nos serviços de saúde, apresentando sintomas como:

  • náuseas;
  • vômito;
  • dor de cabeça;
  • ou falta de ar.

A Imerys, possui 12 barragens de rejeitos em Barcarena. Em 2007 a principal bacia da Imerys rompeu, espalhando cerca de 450 mil metros cúbicos de rejeitos, que chegou aos igarapés e rios da região, alcançando até a bacia do Marajó.

Entre 2015 e 2017, o Laboratório de Química Analítica e Ambiental da Universidade Federal do Pará (Laquanam/UFPA), promoveu uma pesquisa que comparou amostras de cabelos de habitantes de Barcarena e Altamira, no sudoeste paraense.

O estudo investigou os níveis e a presença de 21 metais pesados no corpo de pessoas que vivem próximas ao Polo Industrial de Barcarena, entre eles o alumínio, o chumbo, o cromo e o níquel (considerados prejudiciais à saúde mesmo em baixas concentrações).

Foi encontrado no cabelo de alguns participantes, inclusive no de Seu Dico (marido de dona Socorro), 110 vezes mais alumínio do que o de um morador de Altamira (“população controle”). O cromo e o níquel também estavam com valores acima dos encontrados em Altamira.

A professora da UFPA, Simone Pereira, afirma:

“No estudo feito a partir do cabelo, a gente consegue determinar que existe exposição aos metais. Só a análise do sangue pode mostrar com mais precisão os níveis de contaminantes no corpo dos indivíduos”.

Em fevereiro de 2018, outro desastre socioambiental da Hydro consistiu no transbordamento de uma das barragens de rejeitos da empresa, o DRS1, que acabou contaminando com “lama vermelha” rios e igarapés da região.

Desastres socioambientais

A trajetória da Alunorte é marcada por desastres socioambientais. Há pelo menos três episódios de despejos irregulares de rejeitos tóxicos não tratados no meio ambiente, ocorridos em 2009, 2014 e 2018.

Esse material, também conhecido como lama vermelha, é fruto do processamento industrial da bauxita para a extração de alumina, a matéria-prima utilizada na fabricação do alumínio.

O transbordamento de uma das bacias da Hydro Alunorte, o DRS1, resultou na contaminação de rios e igarapés, além de dezenas de outras comunidades ribeirinhas que sobrevivem dos rios que foram atingidos pela lama tóxica.

Outro dado preocupante contido no relatório do IEC está relacionado ao descarte das cinzas dos fornos e das caldeiras da Hydro no DRS1 e no DRS2. O relatório diz:

“Um agravante da situação é a recente constatação da mistura de resíduos de cinzas de fornos e/ou caldeiras aos resíduos de lama vermelha, pois esses materiais de cinzas são conhecidos por conter também elementos tóxicos, ou seja, juntamente com os materiais da lama vermelha os níveis de vários desses contaminantes são aumentados […] as cinzas também possuem agregadas como contaminantes, os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), substâncias altamente cancerígenas produzidas a partir da combustão da matéria orgânica e/ou combustíveis fósseis […] e outros elementos tóxicos, como o mercúrio“.

A nuvem de poluição sobre Barcarena é tóxica, e ela chega até a capital Belém, a 40 quilômetros em linha reta.

Luta por justiça

 

Presidente da Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia (Cainquiama), Socorro do Burajuba tem travado uma longa luta judicial contra o grupo Norsk Hydro Asa.

As autoridades precisam ajudar imediatamente o povo de Barcarena, antes que ela seja totalmente destruída. Essa é mais uma confirmação sobre como a região Norte do Brasil é desassistida pelo governo.

O povo implora por ações urgentes.

Para acompanhar a história de Socorro do Burajuba, leia a matéria completa AQUI, por Cícero Pedrosa Neto, da Amazônia Real.

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Lara Meneguelli


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