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Essa semana faleceu em Piracicaba – SP, aos 88 anos, o pesquisador Enéas Salati, um cientista muito importante, mas que provavelmente a maioria da população desconhece. Foi através dele que a expressão “rio voadores” surgiu.
Em 1979, Salati promoveu um estudo utilizando a técnica de espectrometria de massas, que consistia em detectar e identificar moléculas do vapor d’água de várias partes da região amazônica, verificando que havia pouca variação nas proporções de oxigênio nessas moléculas, inclusive quando comparadas com amostras de outras regiões do país, até na região Sul.
Isso explicaria que a Amazônia recicla sua própria chuva, ou seja, a floresta “reevapora” a própria água e essa água percorre todo o país.
Aliás, você sabia que uma árvore de grande porte pode bombear do solo para a atmosfera, de 300 até 1.000 litros (ou mais) de água em um único dia?
Quantificando a Floresta Amazônica em cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados (imagens de satélite), os cientistas calcularam que a quantidade total de água que a Floresta Amazônica cede para a atmosfera por meio da evapotranspiração das árvores em um dia equivale a cerca de 20 trilhões de litros por dia. Ou 20 bilhões de toneladas de água! Por dia!
Salati foi o primeiro a mencionar e quantificar os rios atmosféricos formados na Amazônia e identificar que eles “viajam” e provocam chuvas no sudeste do país.
Mas foi nos anos 90 que a expressão “rios voadores” foi difundida no Brasil pelo pesquisador do clima José Marengo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Mas então os “rios voadores” existem mesmo?
Sim, eles existem!
Rios voadores nada mais são que grandes nuvens de vapores d’água que percorrem grandes distâncias, provocando chuvas e afetando diretamente o clima brasileiro.
Numa definição técnica, pode-se dizer que rios voadores são cursos de água atmosféricos, invisíveis, formados por vapor de água, muitas vezes acompanhados por nuvens, propelidos pelos ventos.
Certa vez, um aviador chamado Gérard Moss voava sobre a Floresta Amazônica e descreveu com exata precisão a formação dos rios voadores:
“Estávamos no extremo oeste do Acre, voando próximo à Serra do Divisor, e havia muitas nuvens com chuvas esparsas na região. Foi então que vi, pela primeira vez, a floresta funcionando como recicladora de umidade. Logo após a passagem de uma chuva, a floresta começava a devolver a umidade para a atmosfera. Nós víamos as pequenas nuvens saindo como bafos de vapor entre as copas das árvores”.
É exatamente assim que os rios voadores se formam.
Gérard Moss foi o piloto que ajudou Salati a estudar o fenômeno dos rios voadores. Ele “navegou” por dentro destes rios com seu avião coletando dados e amostras de vapor para ajudar na pesquisa.
Assim, a chuva que cai sobre a Floresta Amazônica é rapidamente evaporada pelo calor do sol e pela ação da evapotranspiração das árvores, fazendo com que o ar fique sempre recarregado com mais umidade, criando grandes “rios voadores” que, levados pelo vento, atingem outras regiões do país, interferindo diretamente no clima, na paisagem, na economia daquele local.
Depois de formados, os rios voadores percorrem grandes distâncias e na fase final, podem servir para alimentar os reservatórios de água do Sudeste e da Região Sul do país, se dispersando pelos países fronteiriços, como Paraguai e Argentina.
Não restam dúvidas quanto a importância desses rios voadores, que alimentam e abastecem outros reservatórios de água, irrigam plantações de forma natural e afetam diretamente no clima de uma região.
Além disso, para a formação dos rios voadores, é preciso grandes quantidades de vapor de água, trabalho que as árvores fazem com a evapotranspiração, que ajuda diretamente na manutenção do clima porque utiliza a energia solar para que a água volte à atmosfera.
Com isso, uma enorme quantidade de calor irradiado pelo sol é absorvida pela floresta durante o processo de evapotranspiração, o que ajuda a manter as temperaturas mais baixas, amenizando a sensação térmica de calor e abafamento.
A pergunta que deve ser feita é, será possível a água evaporar de uma pastagem para gado? A derrubada da floresta é uma das condições essenciais de alterações no clima. Uma das respostas está bem à nossa frente.
A transformação de milhares de hectares de floresta em pastos, garimpos e campos de cultivo, podem afetar não só o clima mas as atividades produtivas que, em grande parte do Brasil, dependem da chuva oriunda, entre outros fatores, dos rios voadores.
É uma mudança que pode afetar a vida de todos, alterar paisagens e em condições drásticas, transformar áreas verdes em desérticas, por isso a importância urgente e crucial de preservação da floresta amazônica.
As cinzas do pesquisador Salati serão espalhadas na reserva florestal Adolpho Ducke, em Manaus, em homenagem pelos méritos e fortalecimento da consciência ambiental no Brasil.
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Categorias: Ambiente
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