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Um grupo formado por 12 juristas criou uma Comissão Internacional que elaborou um Estatuto definindo, dentre outras coisas, o crime de ecocídio.
Agora eles pretendem que o ecocídio seja incluído na lista de crimes investigados pelo Tribunal Penal Internacional- TPI, desde que o Estatuto de Roma incorpore, como um quinto crime, esta nova modalidade.
“Para os efeitos do presente Estatuto, entender-se-á por ecocídio qualquer ato ilícito ou arbitrário perpetrado com consciência de que existem grandes probabilidades de que cause danos graves que sejam extensos ou duradouros ao meio ambiente”.
Além da adesão do Tribunal Penal Internacional, o grupo pretende que o assunto reverbere e que sirva de sinal de alerta para outros estudiosos e que outros países adotem esse entendimento e incluam em suas legislações penais e punitivas.
Mas afinal, do que se trata esse Tribunal Penal Internacional?
O Tribunal Penal Internacional foi criado para julgar os crimes tradicionalmente reconhecidos como crimes contra a paz.
Desde a Segunda Guerra Mundial, tornou-se uma constante a criação de tribunais para julgar ações que afetam a humanidade, como o Tribunal de Nuremberg, por exemplo.
Dentro desse espírito, foi criado em julho de 1998, pelo Tratado de Roma, o Tribunal Penal Internacional, que tem como função o julgamento de crimes contra a humanidade, quais sejam, genocídio, crimes de guerra e outros bastante específicos.
Atualmente, mais de cem países adotam o Tribunal Penal Internacional. Em 2002, o Brasil ratificou o Estatuto por meio do Decreto nº 4.388, de 25 de setembro e tornado, por força da Emenda Constitucional 45, norma de status constitucional para nosso país.
O Estatuto de Roma tipifica crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão.
No que tange os crimes de genocídio, conforme artigo 6 do Estatuto, são especificadas as condutas de destruir, no todo ou em parte, um grupo determinado, em razão da nacionalidade, raça, etnia ou religião.
As condutas descritas são o assassinato, graves lesões físicas ou mentais, imposição de condições de vida calculadas para causar a destruição do grupo, tomada de medidas que impeçam nascimentos de membros do grupo e a transferência forçada de crianças desse para outros grupos.
Em relação aos crimes contra a humanidade, estes vêm descritos no artigo 7 do Estatuto, e as condutas são de assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou transferência forçada de pessoas, tortura, violência sexual, entre outras.
No entanto, tais condutas só podem configurar crimes contra a humanidade, de competência do Tribunal Penal Internacional, se os atos delituosos forem cometidos como parte de um ataque sistemático ou generalizado dirigido contra a população civil, com conhecimento desse ataque.
Assim, da mesma forma como o crime de genocídio exige, para sua configuração, o elemento do dolo específico, o crime contra a humanidade, para assim ser classificado, exige que se demonstre o contexto em que foi perpetrado.
Não é, pois, todo e qualquer ato que configura crime contra a humanidade.
Especificamente, quanto ao ecocídio, como destaca Sylvia Steiner que foi Juíza do Tribunal Penal Internacional de 2003 a 2016,
“não há crimes contra o meio ambiente no Estatuto de Roma. O que há são condutas de destruição do meio ambiente como meio, como método de comissão de delitos, tais como crimes de guerra – um deles aliás expressamente previsto no artigo 8 do Estatuto – lançar intencionalmente um ataque, com o conhecimento de que tal ataque causará perdas incidentais de vidas ou danos a civis ou a objetos civis ou que causarão danos difusos, sérios e duradouros ao meio ambiente, que sejam excessivos em relação à vantagem militar concreta que se pretendia”.
Assim, o que esse grupo de juristas e outros grupos e entidades ambientalistas pretendem é estender tais entendimentos, para forçar a inclusão do crime de ecocídio perante o Tribunal Penal Internacional, forçando os demais países a aderirem em sua legislação interna.
Mas se o crime de ecocídio não consta do Estatuto de Roma, como então funcionaria essa “inclusão”?
É possível considerar que um grande desastre ambiental, ocorrido inclusive por ações negligentes ou imperitas, ou aqueles onde o dano era previsto e poderia ter sido evitado ou pior, ações, dolosamente, perpetradas para provocar a destruição do meio ambiente que acabam por afetar incondicionalmente a população presente e futura podem ser estendidos e entendidos como crimes contra a humanidade.
Incêndios desproporcionais, envenenamento de lençóis freáticos, pulverização aérea de agrotóxicos ou inseticidas, rompimento de barragens, explosões de minas ou quaisquer atos que ponham em risco a vida e a saúde de populações, de forma sistemática ou generalizada, pode ser considerado um crime contra a humanidade.
Além disso, na seara do crime de genocídio, é possível que determinadas violações às normas de proteção ao meio ambiente sejam perpetradas com o intuito específico de aniquilar um grupo nacional, étnico, racial ou religioso.
Alguns estudiosos apontam que isso já foi utilizado como tática de guerra, na qual, por exemplo, aniquila-se um meio ambiente, impedindo que determinada população tenha acesso a terra, água e alimentos.
Assim, esses seriam alguns exemplos argumentativos que podem ser usados e levados em discussão quando se espera que o ecocídio seja considerado um crime junto ao Tribunal Penal Internacional.
Porém, fato é que, atualmente, como dito, o Tribunal Penal Internacional não considera o ecocídio como um dos crimes constantes do Estatuto de Roma, adotado por eles, porém esse é um grande passo, que levanta uma enorme discussão e pode influenciar outros países, como é o caso do Brasil.
No Brasil, existe um Projeto de Lei nº 2.787/2019, que altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 – Lei dos Crimes Ambientais, para tipificar o crime de ecocídio e a conduta delitiva do responsável por desastre relativo a rompimento de barragem.
O projeto de Lei tipifica o crime de ecocídio “quando a pessoa causa desastre ambiental com destruição significativa da flora ou mortandade de animais” e para tanto, penas mais altas serão atribuídas aos responsáveis pelos desastres, como no caso do vazamento de óleo que atingiu as praias do Nordeste, por exemplo.
Na nova redação, o texto prevê o crime de ecocídio quando o desastre ambiental for de grande proporção ou produzir estado de calamidade pública.
O texto muda a Lei de Crimes Ambientais e estabelece pena de reclusão de 4 a 12 anos e multa para quem der causa a desastre ambiental, com destruição significativa da flora ou mortandade de animais. Se o crime for culposo, quando o autor não tiver a intenção de provocá-lo, a pena será de detenção de 1 a 3 anos e multa. No caso de o acidente provocar morte de pessoa, a pena será aplicada independentemente da prevista para o crime de homicídio.
O projeto busca, ainda, atualizar os limites da multa ambiental, atualmente entre R$ 50 e R$ 50 milhões.
Pretende-se definir que o valor aplicado às multas devem considerar a categoria e a gravidade da infração e os novos limites serão de R$ 2 mil a R$ 1 bilhão, atualizados monetariamente.
Outro crime previsto no texto é o de dar causa ao rompimento de barragem por descumprimento de legislação, norma técnica, licença e suas condicionantes ou de determinação da autoridade ambiental e da entidade fiscalizadora da segurança de barragem.
Nesses casos, a pena será de reclusão de 2 a 5 anos e multa. No crime culposo, a pena cai para detenção de 1 a 3 anos e multa.
Como justificação do projeto, tem-se a seguinte ementa:
“Torna crimes condutas causadoras de rompimento de barragem e de desastre ambiental e de elaboração ou apresentação de estudo, laudo ou relatório de segurança de barragem falso ou enganoso, bem como majora os limites mínimo e máximo da sanção de multa contra infrações administrativas ambientais”.
Atualmente o projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado, onde aguarda votação.
No tocante a todas essas discussões jurídicas e políticas, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) informou que apresentará em julho uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro por genocídio e ecocídio perante o Tribunal Penal Internacional (TPI).
Impulsionada pela ação do grupo de juristas, a Apib afirmou, por meio de seu advogado Eloy Terena, à reportagem do jornal El Pais, que
“A APIB reuniu e analisou todos os atos praticados por Bolsonaro contra os povos originários desde o início de seu Governo e consideramos que existem elementos concretos para deflagrar uma investigação por parte do TPI”.
Segundo o advogado, as ações do governo brasileiro ameaçam a proteção das comunidades ao incentivar a presença de grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais em terras demarcadas e não promover a fiscalização e a proteção necessária.
O especialista acrescenta que “o direito ao território e a política de proteção ambiental são aspectos fundamentais para formalizar a denúncia por ecocídio, por ações diretas do governo que inviabilizam a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas e do meio ambiente, como um todo”.
Aguardemos os desdobramentos.
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Categorias: Ambiente
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