O efeito das ações humanas no planeta é devastador e irreversível, revela ONU


Estamos vivendo tempos bizarros. Nunca soubemos tanto e nunca foi tão fácil buscar informações sem ter que sair de casa. Entretanto, parece que estamos sob o império da ignorância, que vaga na onda do negacionismo. Alguns têm comparado os tempos atuais com a Idade Média, conhecida como a Idade das Trevas.

Um dos movimentos que têm surfado na onda do negacionismo é aquele que nega as mudanças climáticas causadas pela ação humana na natureza, sem que haja qualquer fundamento científico. Aqueles que difundem essa ideia se baseiam na tese do “quanto pior, melhor”.

Entretanto, um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado esta semana, constatou aquilo que qualquer pessoa minimamente bem informada já sabia: o efeito das ações humanas no planeta é devastador e praticamente irreversível.

O documento traz dados que derrubam qualquer achismo. Cerca de 1 milhão de espécies de animais e vegetais estão ameaçados de extinção. O alto nível de degradação ambiental está em todos os ecossistemas do planeta e vem ocorrendo em uma velocidade galopante, o que vai dificultar a sobrevivência de todos os seres vivos, inclusive da espécie humana.

Cada vez mais os seres vivos da Terra precisarão de comida e energia. Apenas um milagre, ou seja, uma mudança transformadora radical, poderia reverter esse cenário apocalíptico. Entretanto, parece que estamos muito distante disso.

O relatório da ONU, que tem 1.800 páginas, vem sendo elaborado há três anos, como resultado de uma avaliação do ecossistema mundial baseada na análise de 15 mil materiais compilados pela Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).

A publicação, que está chocando quem se inteirou dela, conta com um resumo de 40 páginas. Embora a Terra tenha sofrido mudanças naturais e as causadas, também, pela espécie humana, nos últimos 50 anos elas se tornaram muito mais agudas.

As causas do desastre

Dentre as razões para se ter aprofundado o efeito devastador da ação humana, está o aumento da população mundial, que, a partir da década de 1970, quase dobrou. Isso provocou o aumento da economia global em quatro vezes e do comércio internacional em dez vezes.

As necessidades básicas, como alimentar-se, vestir-se, utilizar energia, foram expandidas às custas da derrubada de árvores, principalmente em regiões tropicais. Para se ter uma ideia, entre os anos de 1980 e 2000, desapareceram 100 milhões de hectares de floresta tropical com a atividade pecuarista, na América do Sul, e com as plantações de palmeira de dendê, na Ásia.

Além disso, desde a década de 1990, as áreas urbanas começaram a se expandir com maior velocidade.

As consequências

De acordo com uma das pesquisadoras do estudo, para a BBC News, Kate Brauman, da Universidade de Minnesota (EUA) explicou:

“Nós documentamos um declínio realmente sem precedentes na biodiversidade e na natureza, isso é completamente diferente de qualquer coisa que tenhamos visto na história da humanidade em termos de taxa de declínio e escala da ameaça”.

Esse nível de destruição representa cerca de 25% de animais e plantas ameaçados de extinção. Outro destaque da pesquisa é sobre a degradação do solo, cuja produtividade foi reduzida em 23% da superfície terrestre do planeta.

A produção de lixo é outro fator que está contribuindo para a destruição do mundo. Desde 1980, a poluição provocada pelo plástico aumentou 10 vezes, sem falar que, anualmente, são despejados de 300 milhões a 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes, lama tóxica e outros resíduos nas águas do planeta.

O que podemos fazer?

É difícil pensar em uma solução para uma situação tão complexa. Seria preciso uma mobilização individual, de governos e empresas que dificilmente será orquestrada em tempo hábil para salvarmos o planeta.

Segundo Yann Laurans, do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais (Iddri, na sigla em francês):

“O uso da terra aparece agora como o principal fator do colapso da biodiversidade, com 70% da agropecuária relacionada à produção de carne“.

Com essa fala, fica evidente a necessidade de repensarmos a nossa relação com o consumo, principalmente, o de alimentos.

“É hora de reconsiderar a participação da carne industrial e laticínios na nossa alimentação”, constata Laurans.

Apocalipse now?!

O estudo traz, ainda, uma análise de diferentes cenários, de acordo com os dados levantados. Havendo ou não uma mudança, até 2050 a situação é desanimadora.

Sendo muito otimista, apenas com uma transformação radical, poderíamos vislumbrar um mundo melhor. A primeira atitude a ser tomada é romper com o paradigma do crescimento econômico ilimitado. Isso significa que o Produto Interno Bruto (PIB) teria de deixar de ser o principal parâmetro de avaliação da riqueza econômica. Em seu lugar, os países deveriam adotar abordagens mais completas e integradoras que considerem os efeitos da qualidade de vida a longo prazo – sem relação com o imaginário atual que a associa ao consumo.

Outra mudança seria acabar com os incentivos financeiros para quem destrói a biodiversidade. O diretor do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Andrew Norton, assevera que:

“Os governos precisam acabar com os subsídios destrutivos, incluindo os combustíveis fósseis, a pesca industrial e a agricultura”.

Ou seja, muito investimento em inovação e em sensibilização. Será que vamos conseguir atingir uma meta tão auspiciosa para tão pouco tempo?

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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