Ministério do Meio Ambiente propõe Núcleo de Conciliação Ambiental para anular multas do Ibama


O Ministério do Meio Ambiente (MMA) elaborou uma minuta de decreto para criar uma espécie de “núcleo conciliador” com o papel de analisar e interferir nas multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para crimes ambientais.

Na prática, isso significa entrar na competência fiscal do Ibama para tirar seu poder decisório, haja vista que esse núcleo do MMA teria poder para alterar os valores das multas e, até mesmo, anulá-las.

A minuta ainda prevê a extinção de uma das modalidades de conversão de multas, que, atualmente, conta com a participação de entidades públicas e organizações não governamentais (ONGs) em projetos de recuperação ambiental.

Como se sabe, a atual gestão à frente do governo federal é contrária à fiscalização ambiental promovida pelo Ibama, cujo papel chegou a ser criticado pelo presidente Jair Bolsonaro como “indústria da multa”.

O próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem em seu currículo uma Ação de Improbidade Administrativa por dano ambiental. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, ele disse que muitas multas aplicadas pelo Ibama têm caráter ideológico.

A minuta já foi enviada ao Ibama propondo alteração da regulamentação da lei 6.514, de 2008, que trata das multas, e revogação de pontos de um decreto de 2017.

Núcleo de Conciliação Ambiental

A proposta do núcleo conciliador estabelece que em sua composição haja “no mínimo dois servidores efetivos” designados por portaria conjunta do ministro do Meio Ambiente e “do dirigente máximo do órgão ambiental federal”. A minuta propõe, ainda, que todos os processos serão tempestivamente suspensos enquanto o núcleo não decidir sobre a multa, ou seja, é uma interferência clara numa lei maior que regulamenta os prazos processuais no âmbito da administração pública. A minuta busca regulamentar que o tal núcleo terá a função de receber, avaliar e agendar as reuniões de conciliação.

Desde 2012, o Ibama aplicou cerca de 16 mil multas em todo o território nacional, com arrecadação oscilando entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões anuais. Entretanto, somente 5% desse montante é de fato pago pelos autuados. Um especialista consultado pela reportagem da Folha de S. Paulo (que pediu para não ter o nome publicado) explicou que o órgão ambiental não tem estrutura para realizar 16 mil reuniões por ano nas 27 superintendências regionais espalhadas pelo país. Isso significaria uma interrupção nos prazos processuais que só gerariam mais demora em sua tramitação administrativa.

Um infrator, de acordo com a legislação atual, pode entrar com recursos administrativos no Ibama, que tem, hoje, 100 mil processos sendo analisados. Só em 2017, foram julgados pelo órgão 14,5 mil autos de infração. Pelo teor da minuta, o núcleo é quem deverá “apresentar as soluções legais possíveis para pôr termo ao processo, tais como desconto para pagamento, parcelamento e conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente” e “readequar o valor da multa indicado no auto de infração” e “decidir sobre questões de ordem pública”.

Essa “conciliação ambiental”, expressão usada na minuta de decreto, deverá ocorrer em uma única audiência, “visando pôr termo ao processo administração de apuração da infração administrativa ambiental”.

Aplicação de multas

A legislação federal em vigor prevê duas modalidades de conversão de multas: direta e indireta. Pela primeira modalidade, o autuado presta serviços para obter um desconto de 35% no valor da multa. Pela segunda, o desconto chega a 60%, em troca de o autuado ser responsável por cotas de projetos denominados estruturantes, os quais são coordenados pelo Ibama e selecionadas, através de chamadas públicas, entidades do setor público e ONGs.

Tal modalidade indireta, que está em vigor desde 2017, já arrecadou mais de R$ 1 bilhão em projetos de recuperação ambiental – a maioria deles nas bacias dos rios São Francisco e Parnaíba -, valor equivalente a quase três anos de orçamento do Ibama.

Acontece que essa modalidade é uma pedra no sapato de Bolsonaro, pois, para o presidente, ela seria um meio de repasse de verbas para ONGs ambientalistas. Uma parte considerável dessa verba é paga por produtores rurais, os mesmos que estão fazendo de tudo para que todo dia no país seja liberado um agrotóxico.

Pela minuta de decreto, a única modalidade mantida no Brasil seria a direta e caberia ao Núcleo de Conciliação Ambiental a conversão de multas quando solicitada por pessoa ou empresa multada.




Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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