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O ecólogo e pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura – CEPAGRI da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, David Montenegro Lapola, alerta que “Com a devastação da Amazônia, a próxima grande pandemia pode surgir no Brasil”.
Lapola explica que a Floresta Amazônica possui milhares de micro-organismos, incluindo vírus, fungos e bactérias, que vivem em perfeito equilíbrio com os animais selvagens e seus habitats. Quando há intervenção nesses habitats, há desequilibro, seja populacional ou ambiental, havendo alteração nas cadeias, podendo ocorrer um “pulo”, um “salto” do vírus dos animais para os humanos.
O pesquisador usa exemplos de outras moléstias, como HIV, ebola e dengue, para explicar como grandes desequilíbrios ambientais podem disseminar doenças.
“A história é conhecida: a intervenção humana em matas nativas pode gerar desequilíbrio ecológico e exportar doenças do coração da floresta”.
Uma análise feita por uma equipe liderada por Simon Anthony, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, também afirma que a região com a maior floresta tropical do mundo é considerada um provável polo de epidemias. Só de coronavírus que circulam em morcegos também no Brasil, o levantamento contabilizou pelo menos 3.204 tipos.
Ana Lúcia Tourinho, doutora em ecologia pela Universidade Federal do Mato Grosso, diz que
“A floresta fechada é como um escudo para que comunidades externas entrem em contato com animais que são hospedeiros de micro-organismos que causam doenças. E quando a gente fragmenta a floresta, começa a fazer vias de entrada no seu seio, isso é uma bomba-relógio.”
Enquanto os vírus estão isolados e em equilíbrio em seu habitat, como florestas fechadas, não ameaçam os humanos. O problema é quando esse reservatório natural começa a ser recortado, destruído e ocupado, à medida que populações avançam sobre as florestas, aumenta o risco de micro-organismos – até então em equilíbrio – migrarem para o cotidiano humano e fazerem vítimas.
Pesquisas científicas apontam o desmatamento como uma das causas da proliferação de doenças. O equilíbrio ambiental vai além da proteção da fauna, flora e clima, influenciando diretamente a saúde da população.
Andy MacDonald, ecologista especializado em doenças do Instituto de Geociências da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, afirma que
“já é algo bem estabelecido que o desmatamento pode ser um grande fator de transmissão de doenças infecciosas. Trata-se de um jogo numérico: quanto mais degradarmos e retirarmos os habitats florestais, mais expostos estaremos a situações de epidemias infecciosas.”
Num estudo de 2015, pesquisadores da Ecohealth Alliance, organização sem fins lucrativos de Nova York, descobriram que aproximadamente um em cada três surtos de doenças novas emergentes está ligado à mudança no uso da terra, como o desmatamento.
Aneta Afelt, pesquisadora da Universidade de Varsóvia, na Polônia, já alertava que a Ásia, por ser uma região com altos índices de crescimento populacional, alta taxa de desmatamento florestal e condições sanitárias ruins, era indicativa de que a próxima doença infecciosa grave poderia sair dali.
Esse cenário é bem parecido com a Floresta Amazônica, que vem crescendo vertiginosamente o desmatamento, a invasão de terras por grileiros, garimpeiros e madeireiros, e as condições sanitárias são inexistentes.
Para o caso específico da Floresta Amazônica, cientistas afirmam que manter as florestas conservadas também pode evitar a proliferação de doenças.
Um estudo publicado no artigo Deforestation and Malaria in Mâncio Lima Country, Brazil, comprovou que o aumento nas taxas de desmatamento na Floresta Amazônica causa surtos drásticos de malária, possivelmente desencadeando epidemias.
A pesquisa mostrou um aumento de 48% nos casos de malária relacionado ao aumento de 4% na taxa de desmatamento ou, para cada quilômetro quadrado (km²) de desmatamento, acontecem 27 novos casos de malária.
A alteração do equilíbrio natural do meio ambiente pode ser a motivação, a chave para abrir a porta para doenças antes confinadas à vida selvagem.
Marcia C. Castro, professora da Universidade de Harvard e pesquisadora líder do estudo Development, environmental degradation, and disease spread in the Brazilian Amazon , feito em parceria com 13 cientistas, universidades e centros de pesquisa do Brasil, Colômbia, Estados Unidos, Inglaterra e Peru, aponta um conjunto de ações que poderiam mitigar os impactos da disseminação de doenças causadas pelo desmatamento. Uma delas é que sejam mantidos, reorganizados e integrados os esforços existentes no monitoramento das mudanças no uso da terra e na vigilância e controle de doenças infecciosas.
A pesquisadora afirma que os dados coletados por instituições como o INPE e o Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo do Brasil (MapBiomas) poderiam integrar os dados coletados pelo Ministério da Saúde e gerar alertas epidemiológicos nesses sistemas, permitindo uma mudança no gerenciamento de doenças.
O desmatamento, a quebra do equilíbrio ambiental, aumentam as chances de patógenos passarem de animais selvagens para humanos.
No caso de doenças zoonóticas, ou seja, aquelas que são transmitidas de animais para humanos, se um ecossistema está conservado e em equilíbrio, a diversidade de espécies evita que vírus, germes, bactérias e outros agentes patogênicos possam se proliferar ou atingir ambientes e seres que antes não mantinham contato.
Estudos já apontam que cerca de 30% do aparecimento de doenças como Zika, Ebola e Nipah estão conectadas com a mudança do uso do solo.
O vírus da Zika foi descoberto em florestas de Uganda no século 20, mas só pôde cruzar o mundo e infectar milhões de pessoas porque encontrou no Aedes aegpti, mosquito abundante em áreas urbanas, um hospedeiro.
Em 1997, na Indonésia, após uma grande queimada, nuvens de fumaça pairavam sobre as florestas tropicais e as árvores não conseguiram produzir fruto afugentando dezenas de espécies de animais, entre eles, uma população de morcegos que migraram forçadamente para outro local em busca de comida. Esses morcegos encontraram pomares próximos de criadores de suínos, e esses porcos, ao comerem frutas mordiscadas pelos morcegos, começaram a adoecer e os serem humanos que mantiveram contato com eles também. Uma pesquisa comprovou que se tratava de uma doença transmitida por um vírus conhecido como Nipah.
Nos últimos 50 anos, houve um aumento de 400% no número de doenças infecciosas que afetam humanos através de fungos, vírus ou bactérias, novos ou que já existiam antes, para os quais temos pouca ou nenhuma imunidade e a maior parte dessas doenças (75%) é de origem zoonótica, ou seja, transmitidas de animais para humanos, como o coronavírus.
No Brasil, o desmatamento voltou a subir desenfreadamente. Em 2020, no primeiro trimestre, houve aumento de 55% na destruição da Amazônia se comparado com o mesmo período de 2019, o equivalente a 1,4 milhão de campos de futebol desmatados.
A floresta está cada vez mais próxima de atingir o que os cientistas chamam de ponto de não retorno, quando a Amazônia perderia sua capacidade de se recuperar, chegando a um estado mais parecido com uma savana, levando a perda de serviços ecossistêmicos hoje oferecidos pela floresta.
É nesse cenário mais apocalíptico que podemos imaginar que a Floresta Amazônica poderia inclusive ser a próxima “casa” de um novo surto de uma doença viral endêmica.
Isso nos leva a uma nova forma de pensar e proteger o meio ambiente, afinal, a sua conservação, a preservação das floretas e do habitat natural das espécies e o seu equilíbrio, protege, de quebra, a saúde da população.
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Categorias: Ambiente, Informar-se
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