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Aumento dos alertas de desmatamento na região amazônica no primeiro trimestre; invasão de terras indígenas em meio à pandemia do coronavírus; militares no Ibama, nomeação de novo Diretor de Proteção Ambiental do órgão, o coronel da Polícia Militar de São Paulo, Olimpio Ferreira Magalhães, que não possui experiência na área ambiental, exceto porque desde setembro de 2019, atua na Superintendência do Ibama em Manaus.
O cenário é alarmante. Infelizmente novas ações promovidas pelo governo demonstram que não existe um entusiasmo em promover ações de proteção ao meio ambiente.
Pressionado, em 21 de janeiro de 2020, o Presidente Jair Bolsonaro anunciou a criação de um Conselho Nacional da Amazônia, com funcionamento e comando da Vice-Presidência da República. Em 17 de abril, sexta-feira passada, foi publicado no Diário Oficial os nomes que irão compor as quatro comissões temáticas do órgão, listados em Portaria. Tiveram assento no conselho 19 militares, dentre eles quatro delegados da Polícia Federal, indicados pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, além do próprio presidente do órgão, o general da reserva Hamilton Mourão (PRTB), vice-presidente da República.
A notícia ruim é que ficaram de fora desse Conselho o Ibama e a Funai, dois órgãos essenciais e fundamentais com atuação técnica-científica e antropológica social. Esses órgãos são importantes porque atuam diretamente na proteção do meio ambiente e populações tradicionais da Amazônia.
O conselho também não elegeu nenhum representante da sociedade civil de povos indígenas, quilombolas, pescadores ou outras comunidades tradicionais da região. Os governadores dos estados da região amazônica também ficaram de fora do Conselho, o que gerou grande indignação por parte das entidades políticas e internacionais.
O Conselho terá por objetivo coordenar as diversas ações em cada ministério voltadas para a proteção, defesa e desenvolvimento sustentável da Amazônia.
Fica difícil acreditar que tais ações possam ter êxito sem a participação de representantes dos povos locais, de órgãos como Ibama e Funai e dos governadores dos estados envolvidos, autoridades que tem acesso à dados da região, população e acontecimentos do desenvolvimento local.
É importante relembrar que para criação desse Conselho da Amazônia, o Presidente teve que extinguir o antigo conselho Nacional da Amazônia, que funcionava sob a tutela do Ministério do Meio Ambiente.
O ex-presidente da Funai Márcio Santilli, sócio-fundador da organização não governamental ISA (Instituto Socioambiental) disse que a grande participação de militares no Conselho representa
“uma concepção tutelar militar de desenvolvimento regional, que já se mostrou insuficiente e ineficaz no passado”.
Santilli ainda afirma que
“Tanto o Conselho quanto as suas comissões são instâncias de articulação interministerial, que excluem órgãos executivos federais, estados, municípios, academia, setor privado, sociedade civil ou movimentos sociais. Parecem destinadas a fazer muitas reuniões e poucas ações efetivas”.
A ex-presidente do Ibama, Suely Araújo também se manifestou indicando que a situação é preocupante.
“O Ministério do Meio Ambiente optou por designar pessoas que desconhecem os problemas na prática e as dificuldades de operacionalizar políticas públicas na região. Ao que parece, a linha do MMA continua a ser pela inação em termos de política ambiental. É o esperado num governo cuja narrativa desde o início vem estimulando desmatamento e grilagem”.
Mas não é só.
Outra péssima notícia para o meio ambiente que está gerando grande preocupação é que no último dia 22 de maio, quarta-feira, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), editou atos normativos internos (IN) que altera profundamente o regime de emissão do documento chamado “Declaração de Reconhecimento de Limites”.
Esse documento é essencial nos processos de regularização e demarcação de terras que façam limites ou estejam em terras indígenas.
Antes da instrução normativa, o documento tinha a finalidade de fornecer, aos proprietários de imóveis rurais, a mera certificação de que foram respeitados os limites com os imóveis vizinhos onde vivem indígenas.
Agora, com a nova IN, a Funai certificará apenas os limites de imóveis e até mesmo de posses (ocupações sem escritura pública) que incidam somente no caso de Terras Indígenas (TIs) homologadas por decreto do presidente da República.
O grande problema apontado é que existem hoje muitos pedidos pendentes de demarcação de terra, ainda em estudo e verificações e portanto, sem homologação presidencial, e essas terras ficaram absolutamente desprotegidas.
Isso porque, de acordo com dados da própria Funai, existem hoje 237 processos de demarcação de Terras Indígenas pendentes de homologação. Esse é um processo complexo, demanda estudos técnicos, aprovação do presidente da Funai, contestação administrativa e análise e aprovação pelo Ministro da Justiça. Só então, o processo segue para a homologação do Presidente da República. É um processo longo e demorado. Existem pedidos que datam do ano de 1982, ou seja, quase 40 anos.
Com a nova Instrução Normativa, todas as áreas indígenas que estão em processo de verificação e homologação de suas demarcações em longos processos, ficam à mercê de serem invadidas e terem seus registros de aquisição em prol da propriedade privada e interesses particulares, porque não constam mais dos registros de terras indígena, porque de fato, ainda não foram homologadas por Decreto.
A Instrução Normativa determina que apenas as terras homologadas deverão constar no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef), uma base de dados utilizado pelo INCRA que reúne as informações oficiais sobre os limites dos imóveis rurais em terras indígenas.
Assim, as terras indígenas em processo de demarcação ainda não homologadas, ficarão totalmente desprotegidas e à mercê de serem adquiridas por particulares antes do fim da conclusão do processo de demarcação.
Em março do ano passado, o Incra chegou a enviar minuta de Instrução Normativa à Funai, sugerindo que o órgão retirasse as terras indígenas não homologadas do Sigef.
O então presidente da Funai, Franklimberg Ribeiro de Freitas, foi totalmente contra e emitiu uma informação técnica e um parecer que alertavam sobre a grave insegurança jurídica da medida. Quatro dias depois, ele foi demitido.
Na ocasião, Freitas destacou
“que se pretendia modificar toda a prática administrativa ora observada no segmento, com evidentes prejuízos aos interesses dos povos indígenas que porventura não lograram alcançar a fase administrativa de homologação e regularização de seus territórios, e cuja ocupação, por mais tradicional que se apresente, haveria de ser magicamente desconsiderada pelo Incra para o efeito de análise das possíveis superposições faticamente existentes nas áreas sob análise.”
Mas os protestos foram em vão e em 22 de abril a Instrução Normativa nº 9/2020 foi publicada e mais de 237 terras indígenas pendentes de homologação, poderão ser vendidas, loteadas, desmembradas e invadidas.
Os invasores poderão obter o certificado expedido pela Funai onde constará que a área invadida não é Terra Indígena, porque essa terra não consta do cadastro que somente lista TI homologadas.
Depois da expedição do certificado de que o imóvel adquirido, invadido ou de posse não está em terra indígena, o interessado poderá pedir junto ao Incra a legalização da invasão, por meio de um cadastro autodeclaratório, já que as regras para isso também foram afrouxadas no governo do Presidente Jair Bolsonaro, através da edição da Medida Provisória nº 910/2019, a “MP da grilagem”, ainda em trâmite no Congresso Nacional.
A Instrução Normativa 9/2020 ignora a proteção da terra indígena. Consta em um dos seus artigos que “não cabe à FUNAI produzir documentos que restrinjam a posse de imóveis privados em face de estudos de identificação e delimitação de terras indígenas”.
A Constituição garante aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, bem como a posse permanente e o usufruto exclusivo das terras, rios e lagos nelas existentes e classifica como nulos e extintos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras.
Ainda, pela Constituição, as terras indígenas são consideradas inalienáveis e indisponíveis.
Caberá aos órgãos de proteção e Ministério Público Federal verificarem a legalidade dessa Instrução Normativa, que parece ser absolutamente contrária as garantias constitucionais às terras indígenas.
Pensa que acabou?
Outra péssima notícia. O governo federal, por ato do ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, anistiou proprietários rurais que destruíram áreas frágeis e importantes da Mata Atlântica através de um despacho implementar, assinado em 6 de abril de 2020, reconhecendo como consolidadas, áreas desmatadas e ocupadas ilegalmente até julho de 2008, mesmo aquelas consideradas áreas de Preservação Permanente. Esse ato, permite a ocupação da área e o retorno da produção nesses locais.
As Áreas de Proteção Permanente, segundo o Código Florestal, são áreas que têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, segundo o Código Florestal.
“De 2008 para cá nós praticamente não temos grande conflitos na Mata Atlântica. É o bioma que está resolvido. E o ministro traz um problema não só para a floresta, mas para o setor agrícola, que vai ter mais uma pressão dizendo que é o setor que quer destruir a floresta”, diz Mario Mantovani diretor da ONG SOS Mata Atlântica.
Segundo Alexandre Gaio, promotor de Justiça do Centro de Apoio da Proteção do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo do MP (Ministério Público) do Paraná, a partir da decisão do ministro, os proprietários rurais não precisam recuperar (a partir do Programa de Regularização Ambiental) a vegetação de margens de rios, por exemplo.
“Essa medida ataca uma das áreas mais frágeis da mata atlântica. Como ficarão nossos cursos hídricos e nossos mananciais nas próximas décadas com esse tipo de conduta?”
O promotor ainda informa que vai questionar na Justiça as ações do Ministro do Meio ambiente relacionadas às anistias e cancelamentos de multas resultantes da decisão.
Não é só impressão. De fato, as pessoas, as mídias, a sociedade, estão todos voltados para a pandemia do coronavírus. Por causa disso, algumas situações avançam a passos largos sem a devida atenção e fiscalização.
Devemos ficar atentos aos atos praticados pelo governo nesse tema tão sensível, importante e necessário que é a proteção ao meio ambiente e seus biomas, e fiscalizar se as instituições irão desempenhar corretamente seus papeis.
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Categorias: Ambiente, Informar-se
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