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Você já deve ter ouvido falar em grilagem nas aulas de Geografia, mas talvez, hoje, não saiba muito bem o que é e como ela funciona. Infelizmente, é uma prática ainda muito comum no Brasil.
O INCRA define grilagem como “a ocupação irregular de terras, a partir de fraude e falsificação de títulos de propriedade. O termo tem origem no antigo artifício de se colocar documentos novos em uma caixa com grilos, fazendo com que os papéis ficassem amarelados (em função dos dejetos dos insetos) e roídos, conferindo-lhes, assim, aspecto mais antigo, semelhante a um documento original. A grilagem é um dos mais poderosos instrumentos de domínio e concentração fundiária no meio rural brasileiro”. Ou seja, trata-se de uma atividade bastante antiga, mas que ainda segue em vigor nos dias atuais com outras roupagens e novos agentes.
O Brasil é enorme e com vasta terra disponível para a agricultura e a pecuária, que são umas das mais importantes atividades econômicas do país e, por isso mesmo, ensejam vários tipos de crime. Afinal, para elas serem exercidas, é necessário terra. Na grilagem, são as terras pertencentes aos governos federal e estaduais que se tornam alvo de apropriação ilegal a partir da falsificação de documentos de titularidade de tais terras públicas.
A grilagem ainda envolve especulação imobiliária, lavagem de dinheiro, assassinatos, ameaças, desapropriação, venda de madeira ilegal e outros crimes ambientais. Logo, a grilagem repercute em uma série de questões de ordem ambiental, social e criminal.
Embora se saiba que muitos grileiros andam de caminhonete empunhando armas de fogo pelo norte, nordeste e centro-oeste do país, outros são mais discretos e sofisticados, como a Universidade de Harvard, um dos centros universitários mais prestigiados do mundo.
Segundo publicação do , a instituição estadunidense tem investido financeiramente na agricultura brasileira fazendo fraudes cartoriais, desmatamento ilegal e ameaças a agricultores. De acordo com reportagem escrita pela jornalista Flavia Milhorance, desde a crise de 2008, que atingiu fortemente os Estados Unidos, investidores internacionais encontraram na especulação do solo brasileiro uma fonte rentável e menos arriscada de fazerem negócio.
Agricultores da cidade de Riachão das Neves (BA) relatam que pessoas armadas chegaram à região ameaçando queimar plantações e destruir suas casas. Como a violência tem crescido, o próprio estado da Bahia decidiu intervir, em 2014, através da Coordenação do Desenvolvimento Agrário, que realizou uma perícia mapeando a situação de propriedades, recolhendo matrículas e depoimentos.
O procurador responsável pelo caso, Estácio Marques Dourado, concluiu que as terras foram “usurpadas” do estado baiano utilizando-se de fraudes cartoriais evidentes, expulsão de agricultores e “preocupantes agressões ambientais”. O procurador disse, ainda, que essa ação é a maior, em extensão territorial, já havida na Bahia.
A Procuradoria-Geral do Estado da Bahia pede a anulação das matrículas de terra ilegais. Já a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do Estado da Bahia acredita que há envolvimento de políticos ligados ao agronegócio para pressionar a não abertura de processo judicial sobre o caso.
Desde a década de 1970, as terras vêm passando de mão em mão até estar, desde 2007, sob a posse da empresa Caracol Agropecuária LTDA, cujo capital vem de sócios estrangeiros. Entretanto, o nome por detrás da Caracol é Harvard Management Company (HMC), responsável por gerenciar os fundos patrimoniais da universidade. A ela pertencem duas subsidiárias que controlam a Caracol, conforme dados da Receita Federal e da declaração de impostos da HMC (vazado ao público). As subsidiárias, embora tenham registro ativo no Brasil, têm endereço em Boston, cidade-sede da Universidade de Harvard. Sobre as empresas, não há dados na internet, nem cadastro na Receita.
Conforme Devlin Kuyek, pesquisador da ONG Grain, muitas empresas criam estruturas complexas de impedimento de identificação e rastreo. Desde 2010, houve aumento na compra de terras brasileiras por estrangeiros, o que fez o Brasil, à época, restringir essa forma de aquisição – a qual voltou a ser pauta de discussão recentemente. De acordo com a lei brasileira, estrangeiros podem adquirir até 25% da área total de um município. A Caracol tem uma propriedade que representa 35% da totalidade da área da cidade de Cotegipe, na Bahia.
Na opinião de Kuyek, tanto a Caracol quanto Harvard têm a obrigação de apurar se a terra que adquiriram foi por meio de grilagem. E, caso não o façam, estariam assumindo a sua culpa no cartório, literalmente.
: áreas do Cerrado ameaçadas pela ação de especuladores estrangeiros
Categorias: Ambiente, Informar-se
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