Enquanto a Justiça dorme, a boiada do ministro Salles passa e deixa destruição


A boiada vai passando e deixando seu rastro de destruição.

Depois que o Ministro do Meio Ambiente revogou 4 Resoluções do Conama, na fatídica reunião de 28 de setembro, várias entidades, partidos políticos, ambientalistas, autoridades públicas e membros da sociedade em geral, manifestaram-se pelas mídias, serem contrários a essa decisão.

Alguns, inclusive, judicializaram a questão, como é o caso de um grupo de advogados que moveu uma Ação Popular perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro, chegando a conseguir uma liminar favorável. Porém, a decisão da juíza singular foi derrubada pelo desembargador do Tribunal de Justiça carioca. Ainda cabe recurso para o STJ ou STF.

O PT, Partido dos Trabalhadores, também ajuizou uma Ação de Inconstitucionalidade do ato do ministro perante o Supremo Tribunal Federal, arguindo descumprimento de preceito fundamental contra a resolução  em questão (500/2020). A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, determinou que Ricardo Salles prestasse informações em até 48 horas sobre a revogação de regras de proteção de manguezais e restingas.

Em resposta, o ministro foi representado pela AGU, Advocacia Geral da União, a qual pediu o arquivamento da ação, sustentando que as normas foram derrubadas para regulamentar mudanças previstas no Novo Código Florestal, aprovado em 2012.

“As resoluções do Conama são atos administrativos normativos secundários (ou terciários), cujo desígnio é regulamentar e minudenciar a legislação ambiental, sempre mantendo fiel observância ao diploma de referência. Nessa linha, as Resoluções no 302/2002 e no 303/2002 tornaram-se incompatíveis com o ordenamento jurídico vigente em razão da superveniência das disposições contidas na Lei no 12.651/2012 (Novo Código Florestal)”.

Enquanto a questão é discutida judicialmente, o ministro avança com a boiada.

Liberação de queima de resíduos de agrotóxicos

Manguezais e áreas de restingas estão sem norma protetiva desde o dia 28 de setembro, e a liberação de queima de resíduos de agrotóxicos acabou de ser regulamentada pela nova Resolução do Conama.

A nova Resolução Conoma/MMA nº 499/2020 já está valendo. Ela foi publicada hoje, no DOUe regulamenta a queima de resíduos sólidos em fornos de cimento.

A nova redação retira a proibição da queima de resíduos e embalagens de agrotóxicos nos fornos, que antes era proibido pela resolução 302 que foi revogada.

A coincineração de resíduos em fábricas de cimento vem crescendo no Brasil, bem como seus impactos sobre a saúde humana e o meio ambiente.

E não são apenas resíduos de agrotóxico que estamos falando, mas hospitalares, de combustível, minerais, químicos e até radioativos.

Estes impactos não estão apenas relacionados ao material particulado (que pode ser inalado e ingerido pela população), mas também a outros poluentes que exigem controle mais sofisticado, como amônia e cloro (substâncias irritantes), além de óxidos de nitrogênio e enxofre (que contribuem para produção de chuva ácida).

Com relação à poluição atmosférica, existem problemas relativos à emissão de metais presentes nos combustíveis e resíduos queimados, esses metais não são destruídos durante a coincineração, e acabam redistribuídos através das emissões atmosféricas, cinzas e material particulado.

Além disso, as partículas que não foram liberadas na atmosfera acabam ficando acumuladas no interior dos fornos, prejudicando ainda mais o processo de utilização dos fornos.

Questões políticas, éticas e financeiras

Infelizmente, para as indústrias de cimento, pela questão financeira e de lucro, é interessante “alugar” seus fornos para queima de resíduos sólidos, contribuindo para uma forma muito poluente de eliminação de resíduo, como também acaba contaminando todo processo de produção do cimento que acaba, fatalmente, incorporando metais pesados em sua composição além dos metais já pré-existentes.

Tudo isso sem se falar na exposição dos trabalhadores que precisam manipular esses resíduos tanto antes quanto depois do uso dos fornos.

Tudo isso, aliado às limitações técnicas e institucionais, fica evidente o risco tanto para a saúde humana (dos trabalhadores e populações) quanto para o meio ambiente.

Outro grande problema apontado em relação à coincineração de resíduos, para além do debate sobre melhoramentos teconológicos e de fiscalização, envolve aspectos políticos e éticos.

Há estados, como São Paulo, por exemplo, onde a fiscalização é mais rígida e o controle ambiental tem estrutura melhor. Por causa disso, muitas empresas transportam os resíduos de regiões onde há maior controle ambiental e normas mais rigorosas para locais onde a ação do Estado não é tão incisiva (como o interior de Minas Gerais e Rio de Janeiro).

Essa situação é absurda, pois os resíduos saem de onde há disponibilidade de tecnologias mais avançadas de tratamento e controle ambiental, para serem tratados próximos à comunidades com menor clareza dos danos das atividades ligadas à coincineração, bem como menor capacidade técnica e institucional.

Se antes, mesmo com a lei como mecanismo de controle, os problemas ambientais eram grandes, agora, sem lei, o cenário é muito mais tenebroso.

Enquanto a Justiça caminha a passos lentos, a boiada do ministro está em plena marcha.

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Juliane Isler

Juliane Isler, advogada, especialista em Gestão Ambiental, palestrante e atuante na Defesa dos Direitos da Mulher.


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