Amazônia nunca mais será a mesma: estamos jogando uma roleta russa ambiental, diz pesquisador


Há ações que são irreversíveis. Muitas pessoas lidam com a natureza como se ela fosse uma fonte inesgotável de recursos. Entretanto, a ação humana ao longo de anos vem interferindo no meio ambiente a tal ponto que, ainda que mudássemos radicalmente o nosso estilo de vida, já não poderíamos recuperar o que já se foi.

É o caso da Amazônia. A irreversibilidade dos danos provocados ao bioma já transformou a floresta em algo que ela já não é mais e não voltará a ser. É o que diz uma pesquisa do engenheiro florestal brasileiro Paulo Brando, que leciona na Universidade da Califórnia (EUA).

A pesquisa do docente conclui que o desmatamento e as mudanças climáticas tendem a aumentar as queimadas na Amazônia, fazendo da floresta uma fonte de carbono. A revista científica Science Advances deste mês tem um artigo do pesquisador brasileiro no qual ele descreve modelos de cenários da floresta amazônica em casos de queimadas e aquecimento global.

Roleta russa ambiental

Ele explicou à DW que:

“No pior dos cenários, 16% da floresta serão queimados daqui para a frente até 2050. Junto a outros fatores de degradação, isso vai interagir com o clima. Estamos jogando uma roleta russa ambiental. Não sabemos qual é o número [a data exata do colapso], mas estamos chegando cada vez mais perto. Se chegarmos, a coisa vai para o buraco. O fogo é catalisador do processo.”

É como um ciclo vicioso. Os níveis de desmatamento na floresta no contexto do aquecimento global só irão intensificar as queimadas na região. Como ocorreu ano passado, quando os incêndios na floresta foram mais intensos do que a média –  em agosto de 2019, foram registrados 30.901 focos de incêndio contra a média de 25.853, entre 1998 e 2018 para o mesmo mês  – uma alta de 196%.

Brando avalia que:

“O resultado desse processo é que, com a intensificação do fogo, haverá mais emissão de carbono na atmosfera. O desmatamento interage com mudanças climáticas e pode aumentar ainda mais a área queimada e as emissões pelo fogo”.

Umidade natural reduzida

Com o seu “estoque” de umidade, a Amazônia consegue se proteger do fogo, visto que as folhas não ficam totalmente secas. Entretanto, em um período de estiagem ou de temperaturas elevadas, pode ocorrer de as plantas terem um estresse hídrico, ou seja, elas eliminam folhas para reduzir esse estresse. Isso faz com que mais luz penetre na floresta e, consequentemente, mais calor, reduzindo a umidade natural da floresta.

Esse processo já estaria tão acelerado que, mesmo que hoje o desmatamento cessasse, nos próximos anos o número de incêndios seria reduzido a apenas 50%.

“Se compararmos a Amazônia que existia na primeira década dos anos 2000 e a que deve existir em 2050, a área queimada quase dobra”, constata Brando.

Nunca mais será a mesma

Isso quer dizer que a Amazônia já se tornou, de acordo com a pesquisa, um bioma irrecuperável. Em qualquer cenário de simulação, a floresta já não se recuperaria mais, mesmo sem incêndio, até porque as mudanças climáticas não permitiriam tal recuperação.

O resultado é que mais carbono tem permanecido na atmosfera. Não conseguindo absorvê-lo, a Amazônia passaria a emiti-lo, entrando em colapso. O climatologista Carlos Nobre, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), explica que a Amazônia presta um fundamental “serviço ecossistêmico para o planeta”. Essa prestação de serviço funciona da seguinte maneira, de acordo com o especialista:

“Globalmente, as atividades humanas emitem cerca de 40 bilhões de toneladas por ano. Portanto, a Amazônia retira da atmosfera entre 2,5% e 5% de todo o dióxido de carbono emitido”.

O risco de a Amazônia se tornar uma fonte de carbono, seja pelo desmatamento, seja pelas mudanças climáticas, vai fazer com que ela deixe de realizar esse serviço de compensação para o planeta.

Do ponto de vista científico, os incêndios de 2019 foram provocados pela ação humana. Diferentemente de 2016, um ano atipicamente seco, 2019 estava dentro da normalidade. Tanto o desmatamento quanto os incêndios foram induzidos. O climatologista e meteorologista José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), assevera que:

“As queimadas na Amazônia são maiormente geradas pelo homem, e com atmosfera e superfície secas o fogo se propaga rapidamente. O ano 2019 é sim uma mostra do que pode acontecer se o aquecimento global aumenta e se o desmatamento aumenta, mas não podemos dizer que a situação de 2019 vai se repetir em todos os anos seguintes”.

Esse alerta já havia sido divulgado, em 2019, pelo GreenMe a partir de dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE), não por acaso violentamente contestados pelo governo de Jair Bolsonaro, defensor de um modelo econômico nada sustentável para a região amazônica, que favorece o agronegócio, a atividade mineradora e, com isso, enfraquece os territórios indígenas e as áreas de proteção ambiental.

O fato de a Amazônia nunca mais se recuperar, como os estudos apontam, não significa que devemos ficar de braços cruzados e, literalmente, assistirmos ao circo pegar fogo. É urgente que defendamos esse patrimônio ambiental que é absolutamente necessário para a sobrevivência de todos os seres vivos do planeta.

Os cientistas advertem, os governos devem ouvir:

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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