Quem são os mapuches e o que simboliza a sua bandeira para o Chile?


A América Latina abriga uma enorme diversidade de povos originários que viviam na região, antes de terem sido dizimados pela colonização espanhola e portuguesa.

Herança colonial

Os povos originários que ainda resistem tiveram que se articular para não serem totalmente exterminados pela colonização, que, como diz o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos em seu recente livro “A cruel pedagogia do vírus”:

“Desde o século XVII, os três unicórnios são o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado. São os modos de dominação principais”.

Os mapuches são povos originários da Argentina e do Chile. Neste país, são o povo mais numeroso: cerca de um milhão de pessoas se considera pertencente à cultura mapuche, conforme o estudo de José Bengoa “Los mapuches: historia, cultura y conflicto”, publicado Open Editions Journals. Isso significa que a história chilena é a história mapuche.

Os espanhóis nomearam os mapuches de araucanos. Atualmente, eles são encontrados em comunidades rurais no sul do Chile e no sul da Argentina, mas uma grande parte já habita as cidades.

Trata-se de um povo com forte identidade que mantém vivas as suas tradições e a sua língua.

Os mapuches foram o único povo nativo da chamada América a vencer um conquistador.

Eles derrotaram uma investida espanhola, no século XVI, com táticas de guerrilha que resultaram em 300 anos de resistência. Segundo o site A Nova Democracia, eles foram os primeiros a organizar o primeiro sindicato de trabalhadores no Chile, ainda que acusados de terrorismo pelo próprio país, o que fez muitos deles presos políticos.

Intolerância e discriminação

Ainda hoje o Chile não resolveu suas questões com a comunidade mapuche, que segue sendo discriminada e marginalizada.

A sociedade chilena conservadora – assim como aqui no Brasil – é intolerante com a questão indígena no que diz respeito aos seus direitos. A elite chilena, no século XIX, acreditava que as migrações europeias representavam a civilização e o progresso de que o país necessitava, bem como todos os países da América do Sul, que acabavam de passar por seus processos de independência.

Durante a pandemia, esse conflito histórico seguiu acirrado. As terras mapuches foram invadidas pela indústria da mineração, uma das mais importantes da economia chilena, aprofundado a questão da terra e ambiental.

O Brasil de Fato, que fez uma reportagem sobre a situação dos mapuches na Argentina e no Chile durante a pandemia, conversou com a líder mapuche Moira Millán, que lamentou estarem “em uma solidão institucional terrível”. Ela exemplifica que a Nação Mapuche é a Palestina da América do Sul.

“Continuarão atacando o povo Mapuche, porque o que propomos não é de caráter inteiramente econômico e social, é sistêmico. Propomos uma nova forma de habitar o mundo. Esse sistema quer instalar o terror e a falta de sentido da luta, como se não houvesse possibilidade de mudança. Nós, povos originários, vivemos milenarmente de outro modo, e agora podemos nos articular e fazer uma síntese de esperança entre distintos setores não indígenas, que, como nós, querem uma verdadeira e profunda revolução”, explica a líder.

 Mulheres indígenas à frente de seus povos

O novo capítulo que o Chile vem desenhando em sua história, que passou a ser denominada de Sexta República com a vitória do “Apruebo”, teve forte participação dos mapuches, sobretudo, das mulheres.

Aliás, ao longo da história do nosso continente, foram as mulheres indígenas que estiveram à frente da luta de seus povos, embora invisibilizadas pelas narrativas oficiais.

No Chile de hoje, mulheres camponesas e indígenas continuam enfrentando problemas, como a grave seca e a desaparição de plantas medicinais, provocadas por empresas florestais e suas plantações industriais de eucalipto e pinus, com a benção do Estado chileno através da entrega de subsídios para essas empresas, informa o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais.

O novo marco constitucional que o Chile vai escrever pode dar a oportunidade de refundar os valores tradicionais dos mapuches por uma sociedade mais justa que faça representar a diversidade e repare os abusos históricos contra o seu povo originário.

Em relação às mulheres, a constituição que estava vigente excluía as mapuches das políticas públicas, já que não havia um programa específico para elas, de acordo com o Quilombo Invisível. Por isso, elas foram um dos braços fortes da revolução iniciada no Chile para dar início à construção de uma história da qual sejam, também, narradoras.

Bandeira mapuche e seus significados

A bandeira mapuche se tornou o principal símbolo do plebiscito que ocorreu no último domingo no Chile. Os votantes do “Apruebo” ondularam a bandeira mapuche pelas ruas. Espera-se que um dos temas a ser debatido na redação da nova constituição seja os direitos indígenas.

Na década de 1990, com a queda do general Augusto Pinochet, os mapuches se mobilizaram no Conselho de Todas as Terras, em 1992, ocasião na qual elegeram a bandeira Wenüfoye para representá-los.

A BBC fez uma reportagem para desvendar o simbolismo da Wenüfoye, que condensa elementos propostos pelas diferentes identidades indígenas: afkenche, nagche, wenteche, nagche y puelmapu. De acordo com o artista Jorge Weke:

“O azul representa a pureza do universo; o verde, nossa mapu; o Wallmapuche, o território de assentamento de nossa nação. E o vermelho, a força, o poder e o sangue derramado por nossos ancestrais”.

No centro da bandeira está o kultrung, o tambor mapuche, decorado com o Meli Witran Mapu, a representação da Terra e seus quatro pontos cardinais. Nas bordas superior e inferior, se vê um guemil, um tipo de adorno mapuche que representa o domínio tanto da ciência e do conhecimento como a arte da transformação. Já as cores preta e branca desses adornos representam o equilíbrio ou a dualidade entre o dia e a noite, a chuva e o sol, o tangível e intangível.

A todos esses simbolismos se agrega a resistência mapuche à repressão espanhola e do Estado chileno. Como explicou o historiador Fernando Pairican à BBC:

“A Wenüfoye nasceu reprimida. Foi colocada para fora da lei pelo governo da Democracia Cristã, em 1992”.

Mesmo com o fim da ditadura, os mapuches foram colocados à margem da e pela sociedade chilena.

Por tudo o que representa, a Wenüfoye se converteu no fruto de uma nova sociedade que floresce no Chile, ávida por democratizar o cenário político e social do país, o que significa torná-lo mais plural.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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