Guia espiritual e fitoterapeuta maia: torturado e queimado vivo, acusado de bruxaria


Dois homens e duas mulheres foram presos pela polícia da Guatemala pelo assassinato de um guia espiritual maia.

Domingo Choc Che (55) era um indígena especializado em fitoterapia tradicional que chegou a colaborar com pesquisas da University College London.

Conforme informou o jornal britânico The Guardian, o grupo acusado pelo assassinato também teria torturado o indígena maia ateando fogo sobre o seu corpo com gasolina.

Choc Che morreu queimado por acusação de bruxaria. Antes desse ato bárbaro, ele ainda foi espancado por mais de 10 horas. Um vídeo compartilhado mostra Choc Che correndo em chamas e implorando por ajuda antes de morrer.

Na Guatemala, o crime causou comoção e indignação. Além da barbárie em si, o assassinato evoca um passado de genocídio da população indígena no país. O secretário da Associação de Conselhos Espirituais Relebaal Saqe da Guatemala, Jose Che, disse:

“Estamos indignados. Como é possível que nosso próprio povo se comporte de maneira tão ignorante? Há discriminação e racismo contra o povo maia há muito tempo. Eles não respeitam nossa cosmovisão, nossa espiritualidade.”

Choc Che era um ajilonel, um especialista em medicina maia, e trabalhava para conservar a medicina tradicional à base de plantas.. Entretanto, ele havia participado de uma série de projetos científicos. Um deles foi em 2019 em colaboração entre o University College London, a Zurich University e a University of the Valley para documentar plantas medicinais tradicionais.

Para a socióloga e antropóloga da Universidade do Vale da Guatemala, Mónica Berger:

“Perdemos uma biblioteca de conhecimentos e um avô que possuía um vasto conhecimento de medicina e como cuidar da terra”.

O biólogo da University College London, Michael Heinrich, garantiu que o projeto continuará em memória de Choc Che e que o seu assassinato é uma atrocidade e uma violação aos direitos humanos.

Genocídio indígena

A Guatemala foi palco de uma guerra civil que durou 36 anos, entre 1960 e 1996, provocando mais de 200.000 mortes e deixando cerca de 45.000 pessoas desaparecidas.

Uma comissão nacional, que contou com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), concluiu que 80% das vítimas de violações de direitos humanos eram indígenas, razão pela qual a guerra civil foi denominada de genocídio.

Para Berger, a morte de Choc Che revela um problema sistêmico no país, que apenas em 1996 passou a reconhecer os direitos dos povos indígenas às suas tradições e espiritualidade. Mas isso não impede que ainda persistam perseguições e crimes contra os indígenas que praticam rituais maias, os quais são acusados de bruxaria por grupos religiosos conservadores.

Uma das fundadoras da organização de direitos humanos Udefegua, Claudia Samayoa, explica que:

“Antes dos acordos de paz, havia uma clara perseguição aos guias espirituais e herbalistas tradicionais maias”.

Essa visão preconceituosa está arraigada nos valores coloniais trazidos pelo catolicismo, mas que ganharam força com a presença mais recente de igrejas neopentecostais na Guatemala.

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Fonte fotos: The Sun




Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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