Unidades de estoque de alimentos são desativadas, colocando em risco a segurança alimentar no país


O alerta sobre segurança alimentar foi acendido este ano com a liberação recorde de agrotóxicos no Brasil. Não bastasse esse problema, o anúncio pelo governo federal de que 27 das 92 Unidades Armazenadoras da Conab serão desativadas coloca ainda mais em risco a questão alimentar no país.

A medida não apenas atinge a população brasileira, deixando os alimentos mais caros, como afeta diretamente os pequenos agricultores, já que 26 municípios perderão armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), um impacto que chegará ao prato de milhões de brasileiros.

O que faz a Conab

A Conab funciona a partir de compras públicas de alimentos com a finalidade de doar alimentos para quem passa fome e para formar estoques públicos estratégicos, a fim de garantir o abastecimento de pequenos agricultores e regular os preços dos alimentos básicos, aqueles que fazem parte da cesta básica.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuranga (GO), Heraldo Vieira, comentou para o site Outras Palavras que o município – um dos integrantes da lista de cortes do governo – já está sofrendo com a medida:

“Esse mês fui lá comprar [milho no armazém da Conab] e não estavam mais fazendo. O preço do milho já subiu. A Conab controlava o preço. Hoje mesmo, eu fui comprar o milho no privado, que antes estava em R$ 30 e já está em R$ 35”.

É preciso entender que a ação do governo desresponsabiliza o Estado brasileiro em uma área estratégica para abrir mais espaço à atuação privada, uma história que não começou este ano. A venda das 27 das 92 unidades armazenadoras da Conab faz parte do lobby que vem sendo operado pela bancada ruralista desde 2016, que agora encontrou o apoio do atual governo.

A direção da Conab defende que a medida economizará R$ 11,5 milhões anualmente e uma arrecadação estimada em cerca de R$ 44 milhões com a venda de imóveis – um valor irrisório, se comparado ao gasto com o serviço de copa do Palácio do Planalto, que custará aos cofres públicos, em 2019, R$ 10 milhões.

Agronegócio x agricultura familiar

A reestruturação da Conab foi iniciada pelo ex-ministro da Agricultura do governo de Michel Temer, Blairo Maggi, um dos maiores produtores mundiais de soja. O trabalho iniciado pelo rei da soja foi levado a cabo pela atual ministra da pasta, Tereza Cristina (DEM), alinhada com o agronegócio e que entende que agricultura familiar e este devem ser tratados pelo Estado da mesma forma. 

Entretanto, o agronegócio atende a uma lógica de mercado, enquanto a agricultura familiar responde a uma lógica social, conforme avalia Silvio Porto, ex-diretor da Conab entre 2003 e 2014:

“Porque, certamente, o fechamento de uma unidade, para muitos pequenos e médios produtores de aves e suínos, é um desastre. Essa é a questão”.

Para o governo, os armazéns públicos são vistos como um custo extra para o Estado, que precisa cortá-los. Mas, como agrega Porto, a Conab tem um papel estratégico e o seu enfraquecimento privilegia apenas a concentração de grandes empresas do setor pecuarista, que atua, principalmente, na região Centro-Oeste. Os estados de Goiás e Mato Grosso do Sul terão menos onze unidades, no Sudeste, menos 5, no Sul, menos 2, no Nordeste, de 36 serão 33 e, na região Norte, de 11 passarão para 7.

Uma nota técnica do final de 2018 da Gerência de Programas de Abastecimento esclarece que o estoque público de alimentos é uma questão de soberania alimentar. O estado de Goiás, que é um dos mais mais afetados pelos cortes, é estratégico na distribuição de grãos para agricultores e consumidores de todo o Brasil.

Além disso, a Conab gere, diretamente e indiretamente, uma série de iniciativas que fizeram o Brasil sair do Mapa da Fome das Nações Unidas para alimentação e agricultura. Ela atuou para comprar de agricultores familiares alimentos que foram redistribuídos a escolas, quilombolas, indígenas e à população de baixa renda.

Em 2012, o Programa de Aquisição de Alimentos beneficiou 128,8 mil agricultores com a compra de de 297 mil toneladas de alimentos – valores que, em 2018, foram reduzidos para 9.675 produtores atendidos e 23 mil toneladas de alimentos comprados.

Além da questão econômica, a social será também afetada com os cortes na Conab, que administra o programa de Ação de Doação de Alimentos, que atende populações tradicionais e grupos vulneráveis. Em um momento em que o país atravessa uma das maiores crises econômicas, alta taxa de desemprego e precarização do trabalho, é uma irresponsabilidade fragilizar a soberania estatal no tocante à segurança alimentar.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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