O maior genocídio de todos os tempos não foi o Holocausto, mas o dos povos indígenas


Pode parecer leviano, a princípio, o título do texto, porque o extermínio de vidas humanas, sob qualquer forma, é uma atrocidade que não pode ser comparada em número, nem em dor.

Entretanto, como memória coletiva, o Holocausto – talvez pela proximidade do fato histórico – esteja mais vivo, ou porque um determinado “tipo” de vida valha mais do que outro em certos imaginários culturais.

No livro “Controvérsia de Valadolid”, de Jean-Claude Carrière, mostra-se um debate havido entre o padre dominicano Las Casas, um defensor dos indígenas americanos, e Luis Sepúlveda, um filósofo seguidor de Aristóteles, sobre se os índios da recém conquistada América eram seres humanos e, portanto, teriam uma alma que poderia ser salva por Deus. Sepúlveda advoga, diante do cardeal que representava o Papa, que “não, esses não são homens como nós”; enquanto Las Casas defende: “Sim, eles são homens como nós.”

Extermínio “autorizado”

A problemática apresenta como, há séculos, os indígenas são tratados por aqueles que se dizem os guardiães da cultura e da civilidade: como seres não humanos e incapazes de despertar empatia, sendo, portanto, autorizado o seu extermínio sem qualquer tipo de culpa, já que sequer eles teriam as suas almas salvas por Deus.

Isso explica, em parte, a razão pelas qual as vidas indígenas importam pouco e seu genocídio teria sido relativizado no plano histórico em relação ao Holocausto – e não apenas as vidas indígenas, como também a dos africanos escravizados que foram trazidos ao continente americano ou, mais recentemente, aqueles que foram dizimados durante os processos de independência das colônias africanas.

No Peru, estima-se que, em 1532, quando chegaram os espanhóis, havia 16 milhões de habitantes. Em 1570, essa população já estava reduzida a 2 milhões, de acordo com Peter Klen, em “Nación y sociedad en la historia del Perú”, conforme divulgado pela indígena peruana Roxana Quispe Collantes em sua página no Facebook.

Esse caso demonstra o processo sanguinário que houve na América devido à expansão dos Estados-nação europeus durante a colonização. Esta, seja na América, África, Ásia, deu-se através do genocídio das populações originárias, em suas formas de vida e cultura.

Não precisamos voltar ao século XVI para dimensionar melhor a questão. Na recente histórica política brasileira, o extermínio das práticas culturais e da vida dos indígenas está mais do que nunca presente.

Regime militar e extermínio em prol do “desenvolvimento”

Durante o regime militar, que teve início com o golpe de 1964, os indígenas da região amazônica, sobretudo, foram explorados ou exterminados em prol do “desenvolvimento” da região. Um dos presos políticos que teve de ser exilado no Canadá foi o ex-funcionário da FUNAI Tiuré, de etnia potiguara, que foi perseguido pelos militares. Conforme já noticiado pelo GreenMe, o coronel Carlos Aloysio Weber, ex-comandante do 5° Batalhão de Engenharia e Construção, declarou que:

“Pode parecer irônico falar isso, mas a repressão, as torturas, as atrocidades cometidas no meio urbano parecem maior, parecem que doeram mais do que as que foram cometidas contra os índios. Hoje se fala em 400 desparecidos nas cidades, mas nós podemos falar em cinco mil desaparecidos indígenas, porque houve extermínio sistemático de aldeias. Era uma política de estado”.

Ainda contando como a ditadura militar lidou com a questão ambiental e indígena na Amazônia ele agrega:

“Como você pensa que nós fizemos 800 quilômetros de estrada? Pedindo licença, chê? Usamos a mesma tática dos portugueses, que não pediam licença aos espanhóis para cruzar a linha de Tordesilhas. Se tudo o que fizemos não tivesse dado certo, eu estaria na cadeia, velho”.

Este ano, com a política empreendida pelo governo de Jair Bolsonaro, que parece uma reatualização do “projeto desenvolvimentista” dos militares, as lideranças indígenas brasileiras têm percorrido o mundo para denunciar a violência que os seus povos estão sofrendo.

O “Nenhuma gota a mais”, que ecoou em uma manifestação, este ano, em Nova York, e nas marchas que houve aqui no Brasil, é um basta ao genocídio perpetrado aos povos indígenas e à sua cosmovisão, que, como tem sido analisada por muitos especialistas, é a mais capaz para lidar com os desafios contemporâneos relacionados à preservação do meio ambiente e das formas de vida do planeta.

Paulino Guajajara – Repercussão mundial

O assassinato do líder indígena e guardião da floresta Paulo Paulino Guajajara – morto em uma emboscada na sexta-feira, 1°, no Maranhão, por madeireiros armados – foi noticiado em jornais do mundo inteiro. 

O líder sabia que estava correndo perigo e vinha, em vão, há tempos anunciando as ameaças recebidas, como bem informou a Survival, ONG pelos direitos dos povos da floresta.

Este é apenas mais um capítulo do maior genocídio de todos os tempos, o dos povos indígenas.

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Fonte foto: Mídia India/ISA




Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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Este artigo possui 1 comentário

  1. Lívia Souto
    Publicado em 20/03/2021 às 9:31 pm [+]

    É lamentável mas é a pura verdade.


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