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Ele andava meio sumido dos meios de comunicação, mas voltou a dar declarações este ano. Em entrevista recente à Agência Pública, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro disse que “estamos assistindo a uma ofensiva final contra os povos indígenas”.
Professor da UFRJ conhecido mundialmente, Viveiros de Castro tem passagem por outras universidades de peso, não só do Brasil, como também da Inglaterra, da França e dos Estados Unidos. Em 2019, fotos suas do campo, tiradas nas décadas de 1970 e 1970, foram expostas em Portugal.
Especialista em povos ameríndios, com experiência de campo na Amazônia, ele se considera um pessimista e explica o porquê. Primeiramente, citando Claude Lévi-Strauss, o famoso antropólogo francês que, igualmente pessimista, dizia, já em meados do século passado, que a espécie humana colaborava para a própria extinção, em um processo encabeçado justamente pelos que se consideram os mais avançados e evoluídos. Segundo, porque não vê nos Estados-nação nem nos organismos mundiais a capacidade para impor mudanças no estilo de vida das sociedades, sobretudo as mais desenvolvidas, com a radicalidade que a crise ambiental exige.
“É um pessimismo num sentido de que não ponho muita fé na passagem da racionalidade individual, isto é, pessoas que são capazes de perceber que as coisas estão indo muito mal do ponto de vista das condições de existência, para a racionalidade coletiva e, portanto, para que movimentos sociais, governo, ONU, seja quem for, efetivamente tomem medidas que envolvem uma mudança drástica, radical, dramática, do modo de vida que nós consideramos como sendo o ideal e que, entretanto, é precisamente aquele que está produzindo a destruição do planeta. Tô falando de carro, tô falando de petróleo, tô falando de uso de energia elétrica, tô falando do consumo de energia, seja ela fóssil, seja ela de outras fontes, o consumo em geral, per capita, de energia, o desperdício, produção de dejetos e assim por diante”, diz Viveiros de Castro.
Suas divergências em relação às políticas ambientais atravessa governos e vem desde a gestão petista, que, em sua visão, ao optar por manter intocáveis os privilégios dos mais ricos, precisou extrair da natureza os recursos necessários para melhorar a vida dos mais pobres. Para ele, a construção de Belo Monte é imperdoável.
“Bom, uma das grandes divergências, um dos grandes problemas que eu tenho com o PT é Belo Monte, que foi enfiada pela garganta adentro dos ribeirinhos, dos indígenas da região, pelo Lula, pela Dilma. Então, eu não consigo aceitar um partido, um governo que fez Belo Monte […] Eu trabalhei lá, conheço lá, não tem perdão o que eles fizeram ali. Aquilo representa uma ideia de Brasil em que, num certo sentido, há uma continuidade em algum nível entre o projeto do PT e o projeto desse governo no que diz respeito à relação com a Amazônia, com os povos tradicionais, com o Brasil profundo.”
Ainda assim, Viveiros de Castro defende que os governos anteriores foram “um paraíso” em relação ao atual. Segundo o antropólogo, para dar conta das análises políticas hoje é preciso recorrer ao vocabulário da psicopatologia:
“Você tem uma espécie de perversidade, e perversidade quase no sentido psicopatológico mesmo […] É uma espécie de perversidade você colocar exatamente a pessoa inimiga daquele tema para tocar a política de Estado sobre aquele tema. Isso está acontecendo no Meio Ambiente, nos Direitos Humanos, com o direito da mulher, da família, está acontecendo, de certa maneira, na economia.”
Para o antropólogo, o principal motivo que levou Bolsonaro, apoiado por uma parcela da sociedade, a atacar os povos indígenas é o fato de suas terras não estarem à venda, o que representa um entrave ao projeto privatista defendido pelo atual governo. Além disso, Viveiros de Castro identifica um sentimento anti-indígena nas declarações do vice-presidente, o general Hamilton Mourão, que recentemente exaltou a figura dos bandeirantes do passado.
“Isso soa como uma provocação, uma provocação especificamente anti-indígena, porque ele está celebrando o genocídio ameríndio, celebrando o bandeirante, que é uma figura que foi transformada, evidentemente, a partir de São Paulo, em herói da nacionalidade, quando o que ele fez, efetivamente, foi arrancar o Brasil da mão dos seus ocupantes originais. Não conseguiu arrancar todos, ainda tem 13% aí de terra [indígena]”, explica o professor. “Os militares, agora, estão se identificando com a Europa. É muito estranho, se você for olhar a composição racial das Forças Armadas brasileiras. Não vai achar muito louro. A começar pelo Mourão, que é mestiço de índio. Mas pelo jeito não gosta”, completa.
Essa não-aceitação dos primeiros habitantes do Brasil leva a um processo que Viveiros de Castro identifica como “uma espécie de ofensiva final contra os povos indígenas”, que teria como pano de fundo um sentimento de que seria preciso terminar o trabalho começado em 1500.
Sobre a Amazônia, ele chama atenção para o fato da floresta ser, por um lado, um cartão de visitas, motivo de orgulho para os brasileiros, e, por outro, algo que as pessoas se sentem no direito de destruir “para os outros não pegarem”, atitude que classifica como infantil.
“’A Amazônia é nossa, e eu faço dela o que quiser. Então vou tocar fogo nela porque ela é minha’. Eu posso fazer que nem a criança que vai quebrar o brinquedo porque o brinquedo é dela, entendeu?”, explica.
No entanto, Viveiros de Castro reforça que a crise planetária vai muito além das questões brasileiras e toca, de forma mais ampla, no modo de vida Ocidental:
“Acho que o que marca a modernidade ocidental é uma certa confiança de que o homem, através da tecnologia, é capaz de resolver qualquer problema que surja, de que sempre haverá uma solução. O pessoal está cada vez mais aceitando que há uma crise ecológica, mas [pensa que] alguém vai dar um jeito nisso. E se não der? Por que tem que dar? Nem tudo tem solução. Acho que a crise ecológica não tem solução no sentido de manter o status quo atual. Isso é fora de questão. E todo mundo sabe: se o mundo inteiro consumisse a quantidade de energia per capita que consome um cidadão americano, você precisava de cinco planetas Terra para sustentar a humanidade inteira.”
Leia AQUI na íntegra a entrevista realizada por Ciro Barros e Thiago Domenici, da Agência Pública.
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Categorias: Informar-se, Povos da Floresta
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