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Chamou a atenção, nessa terça-feira (24), na 74ª Assembleia Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro usando um colar tribal e estar acompanhado por uma indígena. Afinal, quem era a mulher que estava ao seu lado?
Em 2013, a indígena Ysani Kalapalo tornou-se conhecida após falar para parlamentares no 10º Seminário LGBT do Congresso Nacional, promovido pelo então deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), no qual ela criticou movimentos religiosos que tentavam impor a sua visão conservadora de mundo aos indígenas brasileiros, informou a BBC Brasil.
Agora, em 2019, ela aparece, em Nova York, ao lado do presidente brasileiro, quem representa valores que ela combatera seis anos atrás. Kalapalo justifica-se em um vídeo:
“Existe muito fake news dizendo sobre as queimadas. Estão dizendo que é culpa do governo Bolsonaro, que ele entrou e está queimando todo o Xingu. Não existe isso daí. A nossa cultura é fazer roça pra plantar mandioca e pra plantar outras coisas. Isso faz parte da nossa cultura, não é porque entrou um novo governo e ele tá queimando tudo. Nessa época de ano, essa época quente, sempre houve queimadas pra queimar roça. Isso faz parte, é normal. Isso é tudo exagero que a mídia está fazendo, não é culpa do governo”.
Ysani Kalapalo é originária da aldeia Tehuhungu, no parque do Xingu, mas passou parte da vida, também, em São Paulo. A jovem, que tem um canal no Youtube com cerca de 270 mil inscritos, fala dos mais variados temas, mas sobre as questões indígenas a sua posição é bastante questionada por seus pares, como o cacique Raoni Kaiapó, criticado no discurso de Bolsonaro.
“Ao contrário do homem branco que (na maioria das vezes) elege um político sem preparo como liderança, os indígenas recebem orientações e treinamentos desde muito cedo até o momento de se tornarem líderes e assim representar seu povo“, afirmou uma nota do Instituto Raoni.
A BBC News Brasil conversou com líderes da Associação do Território Indígena do Xingu (Atix), da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), da Associação Floresta Protegida (AFP) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) — entidade que reúne associações de todas as regiões do país e representa os 305 povos indígenas brasileiros – para saber a opinião deles sobre o discurso de Bolsonaro.
As lideranças foram unânimes ao criticar negativamente o discurso de Bolsonaro na ONU, bem como Ysani Kalapalo, a qual consideram não representar o movimento indígena brasileiro.
Alguns líderes indígenas brasileiros, que estiveram em Nova York para participar da Cúpula Climática da ONU, falaram com a imprensa acerca da fala do presidente. Sobre a acusação de Bolsonaro de que
“existem também queimadas praticadas por índios e populações locais, como parte de sua respectiva cultura e forma de sobrevivência”, a coordenadora da Apib, Sônia Guajajara, explicou que as comunidades nativas fazem pequenas queimadas para abrir roças, mas que o incêndio florestal em larga escala não é uma prática dos povos indígenas. “Ele utiliza essa informação sobre nossas queimadas para esconder todo o desmonte da política ambiental autorizado por ele”, expõe Guajajara.
Grande parte dos incêndios florestais recentes ocorreram, aliás, fora de territórios indígenas, os quais, como são preservados, retêm mais umidade e, portanto, estão menos suscetíveis a queimadas.
O presidente da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix), Yanukula Kaiabi Suiá, considerou uma ofensa ao cacique Raoni e aos indígenas brasileiros a fala de Bolsonaro. Raoni é uma liderança internacionalmente conhecida, a ponto de ter sido indicado ao Prêmio Nobel da Paz por sua atuação na defesa do meio ambiente e dos direitos dos povos indígenas.
A Atix criticou a participação de Ysani Kalapalo na comitiva presidencial, uma vez que
“o governo brasileiro ofende as lideranças indígenas do Xingu e do Brasil ao dar destaque a uma indígena que vem atuando constantemente em redes sociais com objetivo único de ofender e desmoralizar as lideranças e o movimento indígena do Brasil”.
Todos os líderes entrevistados pela BBC disseram que as posições do Grupo de Indígenas Agricultores – mencionado no discurso de Bolsonaro – não têm representatividade entre os povos indígenas brasileiros, que defendem a preservação da floresta e os modos de vida tradicionais.
A Associação Terra Indígena Xingu (ATIX) e os caciques dos povos indígenas Aweti, Matipu, Mehinako, Kamaiurá, Kuikuro, Kisedje, Ikpeng, Yudjá, Kawaiweté, Kalapalo, Narovuto, Waurá, Yawalapiti, Trumai, Nafukuá e Tapayuna divulgaram uma Carta de Repúdio à participação de Ysani Kalapalo como representante indígena na delegação oficial do Brasil à Assembleia Geral da ONU.
A íntegra do documento pode ser conferida AQUI, no site Racismo Ambiental.
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Categorias: Informar-se, Povos da Floresta
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