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Todo ano, durante o verão, a cena se repete: a chuva cai e milhares de pessoas em todo o país têm suas casas alagadas, perdem bens, quando não a própria vida. Afinal, por que isso acontece ainda e o país não apresenta uma solução definitiva para o problema?
Após o temporal que alagou São Paulo esta semana, deixando 12 pessoas mortas na região metropolitana, a ouviu especialistas para entender como
O professor e urbanista Gilson Lameira, da Universidade Federal do ABC (UFABC), afirma que não se pode atribuir responsabilidade por essas catástrofes às mudanças climáticas, visto que, historicamente, a região metropolitana de São Paulo é um local com alto índice pluviométrico.
“Estatisticamente, estas taxas de chuvas não são novidades. As chuvas nessa região já foram até maiores. Diminuíram nos últimos 15 anos, e agora parecem estar voltando ao patamar anterior”, explicou ele à BBC Brasil.
Lameira defende que uma das razões do problema do alagamento é a falta de acesso à moradia e ao espaço urbano:
“Há uma lei (estadual) do ano de 1970, a lei de mananciais, que proíbe a ocupação de áreas alagadiças. É uma lei boa, rigorosa, e não obstante há dois milhões de pessoas morando nestas áreas na região metropolitana de São Paulo. Não há que se falar em ‘falta de planejamento'”.
As regras para uso do espaço estão delineadas, mas acabam não sendo seguidas pela população por falta de alternativa. A metrópole paulistana cresceu, mas continuou lidando com a água de forma obsoleta.
Lameira sugere que sejam usados os “piscinões”, que são grandes tanques de contenção de água para reter o excesso de volume dos rios. O excedente de água vai para esses reservatórios quando o rio sobe demasiado por causa da chuva. Na capital há 22 deles, além de outros nos municípios do ABC Paulista. Entretanto, os que estão no ABC, que foram construídos nos anos 1990, deveriam ter sido planejados com um conjunto de dutos subterrâneos para escoar o excesso de água para fora da cidade. Na época, o poder público por não construí-los e, hoje, seria muito difícil fazer uma construção desse tipo.
Na cidade de São Miguel Paulista, no interior do estado, há mais de um mês a cidade está embaixo d’água. Os moradores convivem com o mau cheiro provocado pelo excesso de lixo e animais mortos, além de não conseguirem sair de casa sem colocar o pé na água imunda do rio Tietê.
Uma outra reportagem da BBC News Brasil visitou o local e conversou com os moradores, que contaram ter contraído várias doenças, entre elas leptospirose, dengue e hepatite. Os sintomas apresentados por eles são infecções, febre, diarreia e vômito. Em menos de dois meses de 2019, 9.368 moradores da região já foram atendidos por médicos, sendo que 147 deles estavam com diarreia.
O pedreiro Edno Donizete Mioci de Paula disse à BBC que por causa da urina de rato contraiu leptospirose. Ele ficou quatro dias internado, mas alguns vizinhos seus não sobreviveram. Ele contou, ainda, que a água do esgoto está entrando nas casas.
Segundo a Prefeitura de São Paulo, cerca de 4,5 mil famílias da região foram indenizadas ou receberam auxílio-aluguel desde 2009, quando foi declarado estado de calamidade pública na região por causa de um temporal. Desse total, 1,5 mil estão, hoje, residindo em moradias populares.
À BBC News Brasil, infectologistas disseram que as doenças mais comuns em áreas alagadas são leptospirose e diarreia. A presidente da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do instituto do Hospital das Clínicas, Thaís Guimarães, alerta que até em áreas com água limpa a leptospirose pode ocorrer.
“A leptospira (bactéria transmissora) penetra na pele e, dependendo do caso, pode levar a óbito. Já as diarreias infecciosas ocorrem pela ingestão de água contaminada, que se mistura com esgoto. Se você engole coliformes, tem grandes chances de ter diarreia infecciosas. O paciente tem febre, desidrata e pode até morrer”, explica a especialista.
Guimarães disse que essas áreas alagadas são totalmente insalubres, já que a qualidade de higiene é inexistente em ambientes úmidos e mofados.
O professor de Infectologia da Faculdade de Medicina do ABC, Juvêncio Furtado, sugere que os moradores sigam algumas recomendações para evitar a contaminação:
“O ideal é que os moradores da região só bebam água tratada. Eles devem ferver a água antes do consumo. O excesso de chuvas ainda pode formar criadouros de mosquitos e transmitir doenças como dengue e febre amarela“, explica.
O principal córrego da região nasce na cidade de Ferraz de Vasconcelos (Grande SP) e desemboca no rio Tietê, em São Miguel Paulista. O governo defende que o problema está no ponto final, no encontro da água fica represada nos bairros por causa de uma barreira. De acordo com essa visão, a “culpa” é da topografia da região.
Entretanto, o líder comunitário Euclides Mendes, que vive no bairro há quase cinquenta anos, tem outra explicação para o problema:
“Na década de 1970, aqui funcionava uma mineradora que extraía areia da região. Ela fez um desvio irregular no rio e deixou uma cratera no local. Esse buraco encheu, a água ficou sem oxigenação, criou aguapé e mato e impediu o fluxo do córrego”.
Os moradores fizeram um abaixo-assinado para o governo de São Paulo, que informou à BBC News Brasil que a construção de um pôlder na região “é prioridade da atual gestão”.
Enquanto isso, a população de baixa renda que vive nos bairros atingidos pelos alagamentos tem sua vidas cotidiana alterada. Os comerciantes perdem vendas, as crianças deixam de brincar e até de ir à escola e, em casa, os moradores também sofrem prejuízos. Hélia Maria Soares, uma senhora de 78 anos, conta que perdeu tudo que tinha dentro de casa na última semana, pois a água subiu mais de um metro. O relato dela entristece:
“Perdi meu tempo, perdi minhas coisas e graças a Deus não perdemos a vida. Para nós, não tem solução. Eles dizem que depois que a obra terminar, a gente não vai ter problema. Eu já não tenho esperanças“.
O Brasil é mesmo o país dos paradoxos. “Ontem” mesmo (em 2015, mas é a gente se esquece), falou-se em racionamento (rodízio) d’água em São Paulo e em dessalinização da água do mar no Rio de Janeiro por causa da crise hídrica que assolou a região do sudeste naquele ano. Com tanta tecnologia hoje em dia, realmente tinha que haver uma solução para armazenar essa chuva toda que cai agora, para que ela, além de não causar estrago, prevenisse a falta d’agua quando a chuva não cai.
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Categorias: Cidades, Informar-se
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