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Sexta-feira, 25 de janeiro, foi um dia surreal no Brasil. As imagens da lama de rejeitos de minério, devastadora, provocada pelo grupo minerador Vale e BHP Billiton, em Brumadinho (MG), não pareciam reais. No Brasil das fake news, elas pareciam ser uma montagem feita com imagens do crime que ocorrera em 2015, em Mariana, causado pelo mesmo autor.
As imagens de sexta, que não paravam de ser mostradas nos telejornais e nas redes sociais, causaram indignação, tristeza e raiva, pela sensação de impunidade com que a Vale age no Brasil, sem sofrer qualquer consequência.
Oportunistas andam dizendo que desta vez os danos ambientais e sociais foram menores dos que os de Mariana, como se vidas (em quaisquer de suas formas) pudessem ser mensurados com a régua numérica dos economistas.
O crime da Vale em Brumadinho é trágico, sim, e tem proporções incalculáveis. Tanto é que Pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e da Agência Nacional de Águas (ANA) liberaram, nessa segunda-feira (28/1), um boletim constatando que a lama de rejeitos de minério de ferro da barragem da Vale que rompeu em Brumadinho (MG) chegará à hidrelétrica de Três Marias, no Rio São Francisco, entre os dias 15 e 20 de fevereiro, informa o Metropóles.
Segundo o boletim, há um leve deslocamento na pluma – uma formação que é mistura de rejeito e água – de um quilômetro por hora. A seriedade do problema é tamanha que o CPRM vem divulgando dois boletins diários e 30 pesquisadores estão envolvidos nos levantamentos.
Os rejeitos já estão correndo junto as águas do Rio Paraopeba, que tem sua foz no Rio São Francisco, segundo os Jornalistas Livres.
O primeiro ponto de contenção da lama de rejeitos de 12,7 milhões de metros cúbicos deverá chegar à Usina Hidrelétrica de Retiro Baixo hoje.
Espera-se que a hidrelétrica contenha boa parte dos rejeitos, que ainda devem seguir para as águas do Rio Paraopeba até desembocar no Rio São Francisco.
A Usina de Retiro Baixo já está com as suas operações suspensas. As comunidades ribeirinhas do Rio Paraopeba podem ficar sem energia elétrica e sem serviço de distribuição de água a qualquer momento durante os próximos dias.
O diretor da Associação dos Bombeiros Voluntários de Três Marias, Fabrício Coelho, diz que um alerta foi emitido pela Defesa Civil Estadual para que o monitoramento seja intensificado na área da barragem.
A Cemig, a agência de energia do estado de Minas Gerais que é responsável pela represa, confirmou que está monitorando o percurso da lama.
De acordo com Coelho, a represa de Três Marias está com cerca de 57% de sua capacidade total, o que pode contribuir na diluição dos rejeitos.
“Três Marias é cerca de cinco vezes maior que a barragem que rompeu. Então, o volume de rejeito que chegar deve ser diluído mais facilmente. Mas se realmente chegar até Três Marias, o fornecimento de água às casas deve ser interrompido até que seja feita análise da água”, informou o diretor ao G1.
O Rio São Francisco é a principal fonte de captação de água de diversas outras cidades no Norte de Minas. O Velho Chico, como é carinhosamente apelidado, é um patrimônio ambiental e cultural dos mineiros e nordestinos (e, claro, do Brasil), visto que a nascente do rio está localizada na cidade de São Roque de Minas (MG) e vai correndo por Bahia, Sergipe, Pernambuco e Alagoas, até desaguar no oceano.
Os danos ambientais ao Velho Chico, caso a lama de rejeitos chegue até ele, seriam inestimáveis ambiental e socioeconomicamente. Há uma imensa biodiversidade dentro e ao redor do rio. Na corredeira de água, 44% das espécies animais são exclusivas do Velho Chico, além dos 42% de espécies que migram de outras bacias hidrográficas, mais as espécies exóticas, que invadem o rio no encontro com o mar, informa o Minas Faz Ciência.
Como alerta a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik em seu blog no UOL, no calor dessa tragédia é preciso que consigamos refletir sobre a causa desses crimes ambientais que têm chamado a atenção da opinião pública mais recentemente e daqueles que passam despercebidos no cotidiano.
Rolnik analisa que:
“O problema é que todo o sistema – tanto de licenciamento, quanto de reparação quando da ocorrência de desastres, são 100% controlados pelas empresas em suas relações com os governos. Ou seja, os atingidos, seja por obras ou atividades como a mineração, seja pelos impactos e desastres que estas provocam, não tem nenhuma voz, nenhuma vez em todo o processo”.
No caso de Mariana, por exemplo, o UOL noticiou que parlamentares que integraram Comissões de Inquérito Parlamentar (CPI) para apurar e acompanhar as providências receberam doações para suas campanhas eleitorais do grupo Vale. Segundo a matéria, as doações para as campanhas dos membros titulares dessas comissões somam R$ 2,6 milhões.
Além de todo um sistema mafioso que trabalha para satisfazer o capital financeiro e aqueles que dele querem tirar algum proveito, estamos deixando de ter um diálogo, talvez, ainda mais importante sobre que rumo queremos dar aos espaços públicos, visto que “nosso território é um bem comum”, como afirma a urbanista. Não estamos discutindo se precisamos ou não dessas obras; elas se instalam sem que tomemos conhecimento e parte delas, até que comecemos a postar imagens nas redes sociais com comoção – o que nada adianta para as vítimas, para nós e para o país.
Sobretudo porque, desde o crime de Mariana, ficou claro que a sociedade civil não tem qualquer ingerência sobre esses megaempreendimentos, até mesmo quando é vítima deles. Como denuncia Rolnik, a empresa causadora de todos esses problemas – que são crimes – teve o respaldo de criar uma fundação para compensar e indenizar as vítimas de Mariana, sem que concedesse qualquer assento aos interessados, nem sequer em um conselho consultivo.
Um novo boletim divulgado ontem, terça-feira, atestou que “a pluma está se deslocando em uma velocidade mais baixa que a velocidade média da água em condições normais.” Ou seja, há esperança de que a lama de rejeitos da Vale não chegue à usina hidrelétrica de Três Marias e fique contida na hidrelétrica de Retiro Baixo.
Confira aqui as previsões diárias e os boletins do Serviço Geológico do Brasil CPRM.
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Categorias: Ambiente, Informar-se
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