O homem, que já era casado desde 1977, tinha dois filhos. A autora, em seu pedido, alegou que ele e a esposa tinham apenas uma relação amigável. Esta vivia no interior do estado do RS com os filhos, enquanto a outra morava com o companheiro na capital.
O desembargador José Antônio Daltoé Cézar, relator do recurso, constatou que o relacionamento cumpria todos os requisitos que caracterizam uma união estável: convívio público, contínuo e duradouro, mútua assistência e intuito de constituir família.
Sendo assim, a outra, que na verdade se tratava da verdadeira companheira, passou a ter o direito à partilha dos bens, que será ainda definida em outra ação judicial.
Para provar a união entre ambos, foram ouvidas testemunhas que conheciam o casal e apresentados documentos comprobatórios da relação. O advogado da autora, Pedro Penna de Moraes Brufatto, comentou que a decisão:
“Faz justiça a companheira que esteve ao lado do de cujus [falecido cujos bens estão em inventário] nos últimos 14 anos de vida dele. Essa era a vontade dele em vida e nada havia motivos para se alterar quando de sua morte”.
A família do homem entrou com um recurso questionando algumas alegações da decisão, o qual está sendo analisado pelo tribunal.
Entretanto, a esposa legal sabia do relacionamento do marido com a outra mulher. No entendimento de Daltoé Cézar:
“se a esposa concorda em compartilhar o marido em vida, também deve aceitar a divisão de seu patrimônio após a morte, se fazendo necessária a preservação do interesse de ambas as células familiares constituídas”.
Fatos da vida
Para a justiça, o formalismo legal não se sobrepôs à situação fática, isto é, os tais “bons costumes” previstos na lei precisam se curvar aos fatos da vida. Segundo o juiz, é preciso aceitar “que os sentimentos não estão sujeitos a regras, tampouco a preconceitos”.
Embora a decisão não seja comum, o fato em si é costumeiro no país e, por isso, carece de proteção jurídica.
O professor de Direito Marcos Jorge Catalan, consultado pelo G1, considera a decisão correta, já que relacionamentos simultâneos é uma realidade da vida de muitas famílias brasileiras.
“No Brasil tem a questão da pobreza, que acaba unindo mais de duas pessoas sob o mesmo leito conjugal. São adultos, exercendo atos de liberdade”, diz o especialista.
Catalan observa, ainda, que o caso julgado não pode ser considerado bigamia, crime decorrente de dois casamentos concomitantes.
Poliamor
O caso também reacende a discussão sobre a poliafetividade ou poliamor, neologismo que significa “vários amores”.
A definição de poliamor foi feita por Morning Glory Zell-Ravenheart em seu ensaio “Um Buquê de Amantes”, em 1990, como um modelo não-monogâmico consensual, ético e responsável, segundo o Psicologia Viva.
O poliamor é, então, um relacionamento aberto caracterizado pela liberdade dos membros de um casal para manter um ou mais relacionamentos com outras pessoas de modo individual e privativo. É uma forma de ter relações extraconjugais preservando tanto o amor quanto o sexo com o parceiro principal.
Naturalmente, o caso julgado não configura poliamor, mas ambos são caminhos para entendermos que os sentimentos e as relações humanas são extremamente complexos para serem julgados pela lente da “moral e dos bons costumes”.
Talvez te interesse ler também:
Responsabilidade afetiva: a transparência é fundamental para o sucesso das relações
O feminismo aristocrático para combater os privilégios dos homens nobres
O que a Justiça tem contra as mulheres? Mariana Ferrer e todas outras
ASSINE NOSSA NEWSLETTER