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Bolsas feitas do lixo reciclado extraído do mar, alimentos raros, exóticos, saudáveis e biológicos, porém de difícil acesso, cosméticos ecofriendly e cruelty free….. A moda agora é ser ecologicamente correto, mas por que o custo disso precisa ser tão alto?
São muitos os exemplos de produtos ecologicamente corretos que viraram iguarias ou objetos de luxo. O capitalismo não dorme no ponto. Quando percebe que algo pode virar um produto de massa, já o incorpora ao sistema.
Mas nem toda marca de produtos é do tipo exploradora. Existem marcas, por exemplo, que investiram em um design arrojado, uma boa comunicação com o público para conseguirem vender, em massa, seus produtos cruelty free e sustentáveis, sem causar danos para a saúde dos consumidores e respeitando o ambiente, já que têm produtos livres de parabenos, sulfatos, silicones insolúveis, parafina e derivados de animais. Marcas, inclusive brasileiras, que são veganas e que não cobram a mais por isso, que oferecem produtos de qualidade por preços bem acessíveis, às vezes até bem mais baratos do que os comercializados por multinacionais do ramo.
Mas nem sempre é assim. São muitos os exemplos de elitização do saudável, do sustentável e do ecologicamente correto para vender produtos caros como se, para fazer bem à Terra, fosse preciso ser rico.
Veja alguns destes exemplos.
A baunilha é uma iguaria no mundo todo. Aqui no Brasil, ela vem sendo produzida em Cavalcante, no cerrado goiano. Foi para esse pequeno município que o reconhecido chef Alex Atala, que está à frente do Instituto Atá, visitou a comunidade quilombola Kalunga Engenho II, onde a baunilha é produzida.
O instituto começou a desenvolver com a comunidade o projeto Baunilha do Cerrado, porém, sendo alvo de controvérsias. Isso porque o Atá, sem o consentimento dos kalungas, formalizou cinco pedidos de registro de marca junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi): “Alex Atala registra marcas da baunilha do Cerrado, alimento tradicional dos quilombolas“, como informou uma reportagem do site De olho nos ruralistas.
Segundo a reportagem, o guia de turismo kalunga do Engenho II Joseli dos Santos Rosa conta que Atala, junto com Luiz Camargo, representante do instituto no bioma Cerrado, visitaram a região em setembro, época em que a baunilha floresce. Depois disso, eles retornaram mais duas vezes. O presidente da Associação Quilombo Kalunga (AQK), instituição que representa o território quilombola e parceira local de Atala na execução do projeto, Vilmar Costa, descobriu que Joseli fora contratado por Atala para mostrar os lugares onde se encontrava a baunilha sem autorização da associação.
O guia avalia que a baunilha do Cerrado, hoje muito procurada pelo público, vem sendo extraída descontroladamente e de forma errada, o que faz com que as árvores se enfraqueçam. O Engenho II barrou o projeto e vai criar um regimento interno no qual uma das cláusulas trate da extração de produtos naturais e minerais do quilombo, levando em conta o registro de saída de qualquer, bem como o modo sustentável de coleta utilizado.
Vilmar conta que foi formada uma comissão composta por moradores, professores e alunos da comunidade para acompanharem a execução do projeto, mas que Camargo não levou em consideração os apontamentos da comissão. Os quilombolas entrevistados pela reportagem do De olho nos ruralistas dizem que toda a visibilidade sobre a baunilha do Cerrado não foi positiva para a comunidade.
“Não estávamos preparados e nem tivemos uma formação para atender tanta procura. Não queríamos ser vistos só pela baunilha, e sim pela questão cultural que mantemos de geração em geração, isso é mais importante pra nós”, lamenta Valmir.
O professor do departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) Carlos Alexandre Plínio dos Santos comenta que falta de diálogo, censura de protagonismo e comportamentos invasivos são comuns quando feito um contato de entidades com comunidades tradicionais – atitudes que geram desconfiança dos grupos que, historicamente, são vítimas de opressão.
“Esse tipo de situação ocorre em muitas comunidades quilombolas e também em grupos indígenas. Isso acaba fazendo com que eles não queiram que pesquisas e projetos sejam realizados em suas áreas”.
Para o especialista, quando feitos tais contatos, é imprescindível que as instituições procurem as lideranças dos grupos, a fim de ser respeitada a cadeia de comando local.
Com certeza, os consumidores da Baunilha do Cerrado que buscam por um produto sustentável não gostariam de estar pagando caro por um produto que, no final das contas, tem uma sustentabilidade questionável.
A quinoa é uma planta altamente proteica originária da região dos Andes. Esse alimento tradicional acabou entrando na moda, sobretudo, entre aqueles que buscam uma alimentação saudável. Por isso mesmo, ele é facilmente encontrado em qualquer loja de produtos naturais.
A forte demanda por esse produto tradicional e barato para os bolivianos gerou um grave problema para eles: a elevação do preço da quinoa, embora os produtores do país tenham aumentado a sua renda.
O alimento altamente nutritivo para a população tradicional foi substituído por comida processada, que é muito mais barata. De acordo com o site Ecodebate, nos últimos cinco anos, os preços da quinoa triplicaram enquanto o seu consumo pelos bolivianos caiu 34% no mesmo período.
O problema fez as autoridades locais buscarem soluções quando perceberam a mudança dos hábitos alimentares dos bolivianos para os alimentos processados e o retrocesso do consumo da quinoa.
A solução adotada pelo governo boliviano é aumentar o consumo doméstico. Para isso, o presidente do país, Evo Morales, afirmou investir cerca de US$ 10 milhões em empréstimos para produtores da quinoa e incorporar a planta a uma cesta básica distribuída mensalmente a milhares de gestantes e mulheres em fase de amamentação. Além disso, a quinoa será incluída na refeição das Forças Armadas e no café da manhã das escolas.
Estes são alguns exemplos de como o saudável, o ecologicamente correto e ou o sustentável podem esconder um capitalismo perverso e desnecessário por trás de seus produtos.
Se pensarmos bem, a alimentação saudável é genuína e não deveria custar tanto se soubéssemos escolher os alimentos certos, no período certo (de estação). Quanto ao consumo de bens em geral, o ecologicamente correto deve partir do consumo mínimo (o minimalismo). Ninguém precisa ter 10 bolsas, 50 vestidos nem comprar novos aparelhos enquanto os velhos ainda funcionam. Muito menos se endividar para consumir o que, no fundo, sequer precisamos.
Algumas atitudes podem fazer com que sejamos ecológica e eticamente corretos sem gastar o que não podemos, como:
O sistema econômico vê oportunidades para ganhar dinheiro disfarçadas em boas intenções. É ótimo que produtos que não promovem testes em animais, que sejam veganos e não causem mal ao meio ambiente e à saúde humana ganhem mais espaços, pois isso os tornam mais acessíveis – e todos nós agradecemos. Mas sempre há aqueles que querem ganhar dinheiro “extra” vendendo produtos “exclusivos”.
A sustentabilidade também envolve uma cadeia de consumo mais justa, para quem produz e para quem compra. O fator “ecologicamente correto” é uma etiqueta que, ainda bem, está na moda, mas deve ser vista com crítica. Como se diz por aí: nem tudo que reluz é ouro, e o contrário também é correto: nem todo ouro reluz!
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Categorias: Consumir, Consumo consciente
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