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Tudo (ou quase tudo) o que você queria saber sobre produção e alimentos orgânicos no Brasil, você poderá conferir na entrevista abaixo com Ming Liu, Coordenador Executivo da Organics Brasil.
Sim. A legislação brasileira regulamentada em 2011,através da Lei 10.831 de 2003, tem toda a sua legislação alinhada com as exigências de conformidade e reconhecidas por todos os outros países, que tem sua regulamentação própria. No caso do Brasil há particularidades no âmbito de questões de produção e sociais, que diferem da legislação de outros países, na medida em que há atividades como produção agroecológica, agroflorestais, agropastoril e extrativismo. O alinhamento com as exigências internacionais são mais similares nas produções e atividades que são comuns aos países, como por exemplo, nas produções agrícolas de cultivo agrícola tradicional, que não implica necessariamente no reconhecimento mútuo para fins de comercialização e validação quando o produto é comercializado.
O processo de certificação de produtos orgânicos para o cumprimento para o uso do selo oficial de conformidade, é feito pela área da coordenação de Agroecologia do Ministério da Agricultura. Segundo a regulamentação, todo o produto orgânico comercializado no país precisa ter obrigatoriamente o selo e a falta dele é fiscalizado pelo Ministério da Agricultura. A obtenção do selo de conformidade pode ser feito através de três formas. Primeiramente, atendendo ao segmento de micro e pequenos produtores familiares ou individuais, existem os OCS (Organismo de Controle Social) onde o produtor se cadastra diretamente no MAPA como produtor individual e caso ele se enquadre nas conformidades exigidas, obtém o certificado. As outras duas formas são através de obtenção de certificados através dos chamados SPG (Sistemas Participativos de Garantia) ou das Certificadoras por Auditoria. Nos Sistemas participativos, grupos de produtores, técnicos ou pesquisadores se organizam, para se registrar junto ao MAPA. Porém, é um processo mais complexo do que o produtor individual, e uma vez credenciado, outros produtores do grupo podem obter a certificação e todas acabam fiscalizando o cumprimento correto uma das outras. Não há o processo de fiscalização de terceiros. A última forma, e a que ocorre similarmente nos outros países, são os produtos certificados por auditoria, onde uma certificadora privada, acreditada pelo INMETRO e autorizada pelo MAPA, faz todo o processo de certificação, avaliação de conformidade e emissão do selo. As certificações por auditoria, em tese, têm maior confiabilidade para atender as exigências de exportação, pois são regidas pela ISO65 que regulamenta todas as certificadoras nacionais e internacionais. Para fins do mercado interno, qualquer uma das três formas de obtenção do selo, tem a mesma validade.
O mercado de orgânicos no Brasil movimenta perto de R$2 Bilhões de reais e a estimativa é de que este mercado continue com o crescimento na ordem de 35-40% ao ano. A estimativa é de que este número de crescimento se mantenha nos próximos anos, pois o processo de regulamentação implementado em 2011 ainda é recente, e o segmento vem se estruturando na medida em que há um crescimento na entrada de novas empresas, algumas multinacionais, como ocorreu nos mercados dos Estados Unidos e Europa. A estimativa é que para 2015 o segmento fature perto de R$2,5 Bilhões de reais. Comparando com outros mercados globais, este crescimento é alto, típico de um setor em expansão e se estabelecendo e, uma vez consolidado, a experiência mostra que mercados mais amadurecidos como os Estados Unidos por exemplo, maior mercado mundial, cresce na ordem de 9-10% ao ano, e o segmento de suplementos alimentares cresce a taxas de 15%. Enfim é um mercado em pleno crescimento e o horizonte para o futuro é de um crescimento constante.
Os desafios do Brasil para aumentar a exportação consistem em ações estruturantes e regulatórias. O país ainda não conseguiu estabelecer acordos de reconhecimento mútuo entre legislações. Atualmente esta é a grande barreira que produtores no mundo inteiro procuram desconstruir num mercado cada vez mais global. Buscar o reconhecimento mútuo, reduzir custos para os produtores na medida em que cada processo de certificação para o país que deseja exportar, implica em processos burocráticos e de recertificação caros, demorados e desestimulantes a quem deseja empreender. Alguns países já possuem acordos, como Estados Unidos- Europa –Canadá – Japão onde praticamente os produtos destes quatro blocos circulam sem a necessidade regulamentar de certificação. Na prática, seria o mesmo que o certificado de cada país ou bloco ter validade em todos os outros, e a questão a ser discutida seria meramente comercial. Outro grande desafio nas estratégias de exportação é conseguirmos, cada vez mais, agregar valor aos produtos e construir valor na cadeia. No Brasil estamos neste inicio do processo, pois ainda somos reconhecidos como importante fornecedor de matéria prima, e levará alguns anos até termos produtos de todas as cadeias como já encontramos na Europa e nos Estados Unidos. Nossos produtos da cadeia animal ainda estão em estruturação e ainda carecemos de produtos como: laticínios e carnes de aves e bovina. O processo de logística interna também é crítico na medida em que ainda temos restrição quanto ao volume de produção, comparado a sua extensão geográfica. Cada vez mais teremos que buscar operacionalidade com outros segmentos e setores para crescer.
Veja bem, há várias formas de entender a produtividade com a necessidade. O nosso país tem necessidade de produzir mais para diminuir a fome, porém sabemos que quase 1/3 da produção agrícola do país se perde no caminho. Onde está o valor em termos OGMs? Esta perda vai desde o campo, no transporte para processamento, na indústria, no varejo, e até em nossas casas quando usamos sem qualquer consciência. Sabemos que nossos processos logísticos e de armazenagem são deficientes e a falta de conscientização para usar de forma racional contribui para esta condição. Dessa forma, eu analiso por outra perspectiva: vejo que a conveniência de ter OGMs ajuda para que o produto continue barato, mas não que esta produtividade seja revertida em condição de redução de fome no país. No caso dos orgânicos, há uma maior consciência desta condição, até porque os recursos naturais para a produção são limitados, e sem os OGMs, todo o esforço de produção será bem maior, pois não há formas artificiais de cobrir a sua ineficiência ou sua perda. Dessa forma, tenho certeza de que a produtividade nos orgânicos pode ser menor, se for considerado a aplicação de agrotóxicos no combate a pragas, mas de que serve esse aumento de produtividade se na frente perdemos?
O exemplo da Toca certamente ajuda a mudar esta mentalidade na medida em que os produtos têm maior penetração do mercado em função da escala, mas a mudança de mentalidade precisa passar pela conscientização de um todo. Em nossa casa, em nossa comunidade e em nosso país. E não apenas no consumo de alimentos, mas no uso diário de tudo que nos cerca e que depende dos recursos naturais. É muito simplório aceitar que a mudança de mentalidade seja apenas no consumo de alimentos. Tenho um exemplo em nível global, com a empresa Native – referência mundial em produção orgânica de grande escala por ser a maior produtora mundial de açúcar orgânico, exporta para mais de 80 países, e devido ao seu processo tecnológico, tem índices de produtividade por hectare maiores que a produção de açúcar convencional.
Em qualquer mercado mundial se não houver educação e conscientização por parte do consumidor e sensibilizar do que envolve a produção orgânica e seus benefícios, o preço sempre será sempre um fator inibidor. Obviamente que quanto maior a informação do consumidor sobre os benefícios, a questão de preço acaba sendo secundário. Diria que é um processo onde na Europa e Estados Unidos, onde houve maciças campanhas de educação, hoje o preço é um fator secundário, alcançando índices de crescimento, mesmo após as crises mais intensas em 2008 e 2009.
Caso o produto orgânico seja simplesmente colocado lado a lado a um produto convencional, não haverá dúvidas de que a decisão de compra do consumidor será o de menor valor. Campanhas de esclarecimento e de educação são essenciais para que o consumidor entenda o valor agregado e que não é simplesmente um modismo ou uma onda temporal.
No Brasil, a cultura de cupons não é muito comum, nem no segmento convencional. Folheteria com indicação de produtos em promoção ou degustação em lojas funcionam mais do que cupom destacados. Compras coletivas têm crescido e certamente é uma das formas de comercialização que contribui para o crescimento. Entregas de cestas a domicílio em algumas cidades também têm surgido e está em pleno crescimento. Outra forma que diminui a diferença de preço e aproxima o consumidor são as feiras de orgânicos em cidades como SP, RJ, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis e Minas Gerais onde prefeituras têm dado acesso direto do produtor ao consumidor e, em muitos casos, os preços acabam sendo iguais aos dos produtos convencionais.
Infelizmente não é mito e sim mais um capricho ou uma herança de avaliação qualitativa de produtos e hábitos que adquirimos ao longo do tempo. Certamente a sua forma ou tamanho não tem nenhuma relação direta com seu conteúdo nutricional ou seu sabor. É meramente uma preferência visual. Qualquer produção inicial, principalmente em produtos agrícolas, a tendência para sua comercialização é sempre pela avaliação visual. Ela ter uniformidade, estar chamativa com sua exuberância, é isso que o mercado oferece até para ganhar a compra. Pegando um exemplo da banana, todas as frutas – normalmente – têm o mesmo tamanho, e sabemos que na preparação as frutas que não atingem o tamanho médio são retiradas e descartadas. Algumas vezes são jogadas no lixo, contribuindo para a nossa estatísticas de perdas, outras encaminhadas para programas sociais ou até vendidas a menor preço. Qual o significado disso? Meramente um capricho visual. Dessa forma, o mito é mais um produto mercadológico que infelizmente ainda é usado para criticar a qualidade. Nos orgânicos, como já disse, há uma maior conscientização de desperdício e avaliação qualitativa que não é apenas por critérios visuais, mas de aproveitar ao máximo o que a natureza proporciona. Tudo é aproveitado e nada é desperdiçado.
Por outro lado, já há algumas iniciativas onde a valorização das formas e tamanhos irregulares remetem a sua garantia de origem natural e a um contexto de produto mais original. Produtos bichados são também um estereotipo negativo que em alguns casos adotaram aos orgânicos, e diria que aconteceu da mesma forma que em nossa infância acreditávamos que encontrar larvas em goiabas maduras era comum. A grande verdade é que seja ele orgânico ou não, se todos os produtores colocassem nas gondolas toda a sua produção, sem seleção de tamanho ou forma, não seria diferente de você encontrar no meio dos produtos os chamados feios e pequenos.
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A legislação brasileira tem uma extensa lista positiva de produtos agrícolas que vão desde adubos, fertilizantes, produtos para limpeza, produtos veterinários, aditivos, auxiliares tecnológicos e ingredientes agrícolas aplicados no processamento que podem ser utilizados na produção. Dependendo da área, produto e segmento de produção, sugiro que consulte diretamente a legislação no site do Ministério da Agricultura. Até para a preparação de adubação orgânica e compostagem há regras específicas que pode e não pode usar. Em tese, todos os produtos que sejam insumos, corretores, ingredientes e produtos de origem animal, vegetal e mineral, aplicados no processo, têm que se seguir a uma criteriosa lista e seria leviano citar apenas algumas com o entendimento de ser regra geral.
No caso dos proibitivos, já é mais fácil, mas de uma maneira geral, produtos oriundos de organismos geneticamente modificados ou transgênicos, e seus derivados são proibidos.
Todos os tipos de agrotóxicos e agroquímicos, sejam eles Organoclorados ou Organofosforados, são proibidos. Pesticidas e inseticidas de maneira geral também são proibidos.
O Organics Brasil surgiu em 2005 de uma iniciativa da Apex-Brasil e o Instituto de Promoção do Desenvolvimento (IPD), como um agente facilitador para promover as empresas nacionais e os produtos do Brasil no mercado externo. Participamos, desde 2005, das principais feiras mundiais de produtos orgânicos nos cinco continentes, e atualmente o Organics Brasil é uma referência para quem busca informações e produtos do Brasil. Por outro lado, o Organics Brasil vem, desde 2005, adotando uma estratégia de desenvolver o mercado interno, trazendo informações de tendências de mercado, atrair novos empreendedores e investidores com o objetivo de construir valor na cadeia. Cada vez mais, é essencial que o mercado possa evoluir e trazer a credibilidade em termos de qualidade.
O Organics Brasil tem desempenhado um papel importante também na organização do setor, com ênfase no trabalho junto as empresas e iniciativas do setor secundário, indústrias de processamento e de transformação, na promoção comercial, aproximando compradores com produtores e na construção institucional do setor, junto as grandes e diferentes formas de varejo ajudando a colocação do produto no mercado.
Outro resultado alcançado foi o posicionamento da imagem do setor no exterior. Este foi um trabalho planejado e estratégico em que a Apex-Brasil foi determinante para que construíssemos um branding setorial no exterior. Anteriormente, o Brasil era conhecido por algumas empresas, e hoje o setor se apresenta de forma organizada e enaltecendo seus produtos, sua cultura e seus biomas.
GreenMe agradece imensamente a disponibilidade da Organics Brasil e espera ter tirado algumas (ou todas) dúvidas do consumidor 😉
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Fonte foto: fotospublicas.com
Categorias: Alimentar-se, Produtos Orgânicos
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